São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O preço dos irresponsáveis

GILBERTO DIMENSTEIN

Em frente ao hotel Plaza e ao Central Park está localizada na 5ª Avenida uma caríssima loja de brinquedos com o nome pouco infantil de FAO Schwarz. Apesar do frio, vento cortante e, pior, dos preços, consumidores enfrentam do lado de fora filas de dar inveja a retirante da seca nordestina à espera da doação de um saco de arroz.
Há pelo menos um ponto em comum entre a fila dos brinquedos e a aglomeração dos retirantes -a abundância de pessoas que falam português, compondo naquele ponto nobre de Nova York um símbolo do Brasil.
Enriquecidos pela estabilidade econômica (além, óbvio, dos convidativos preços das passagens, se comparadas às tarifas domésticas), nunca tantos brasileiros vieram a Nova York em dezembro -calcula-se 15 mil. O que ajuda explicar, em parte, porque, segundo o "The New York Times", nunca os hotéis estiveram tão lotados. São 58 mil quartos espalhados em 231 hotéis, com uma diária média de US$ 150,00, disputados a tapa.
A "abrasileirada" fila da FAO Schwarz é um ótimo indicador para o balanço desse final de ano, contaminado pelas suspeitas de roubalheira, rumores de novas mudanças no Banco Central, queda de ministros e incêndio na base parlamentar do governo, graças às descobertas de fontes de financiamento do PFL.
Basta um mínimo de serenidade e honestidade intelectual para se constatar que a democracia brasileira avança, produz liberdade, transparência, prosperidade econômica e social -aí está a prova essencial de que o ano termina politicamente mal.
Além do nosso turista que vai torrar os dólares com produtos supérfluos na 5ª Avenida, está ganhando o trabalhador que consegue comprar mais comida, beneficiados pelos preços estáveis. Segundo todas as indicações, aumentou o consumo de alimentos.
O problema é o ritmo do avanço, marcado por irritante lentidão. Demoram as reformas capazes de estimular o crescimento, apesar de um presidente eleito com quase todas as forças da nação -um crescimento que, no atual passo tecnológico, não absorve adequadamente a mão-de-obra.
Vagarosa é redução do custo Brasil (entre eles o sistema educacional, que produz trabalhadores despreparados); esse custo encarece as exportações e emperra a geração de empregos. Rombos orçamentários, alimentados pelos desperdícios, forçam uma política de juros altos, com seus efeitos colaterais.
Se este ano anima, de um lado, pelo avanço do país, de outro, comparando as filas de brasileiros em Nova York com as filas nos prontos-socorros públicos brasileiros, tem-se uma inescapável sensação de que o país é vítima da irresponsabilidade pública.

Sinal da influência brasileira em Nova York: introduziram o samba na pista de patinação no gelo do Central Park.

Uma das razões para a vinda de mais gente para Nova York ajuda a entender porque estamos perdendo turistas estrangeiros. Apesar do aumento da pobreza, a cidade está mais segura. Os homicídios caíram 40% nos últimos dois anos.

Impressionado com os números, o Ministério da Justiça planeja para o próximo semestre um seminário no Brasil sobre a experiência de Nova York no combate ao crime. A estrela do encontro seria o prefeito Rudolph Giuliani.

Uma das razões da queda de criminalidade é uma péssima notícia ao Brasil. Caiu aqui o consumo de crack -isso porque os próprios jovens se espantaram com o poder destrutivo da droga. Aí, o crack apenas começa a crescer.

O presidente Fernando Henrique Cardoso conduziu pessimamente mal o caso pasta rosa. Expôs desnecessariamente e sem provas a direção do Banco Central, reforçando suspeitas do PFL de que dali teria vazado o documento.

Espertamente e aproveitando a fragilidade do Banco Central, o PFL, por meio da bancada baiana, pressiona para uma solução generosa ao Banco Econômico à custa do dinheiro público.

Resumo da época: porque os latifundiários do PFL tomaram dinheiro ilegal e a notícia vazou, temos de pagar agora com mais dinheiro por um banco que quebrou por incompetência e desperdícios. Um dos desperdícios, aliás, era a linha de crédito especial aos amigos na política -nessa linha o investimento é baixo, e o retorno, alto.

Enriquecendo o show, ACM pilota o caso Sivam para tentar compensar os estragos do caso Econômico. Como se vê, os radares não foram instalados, mas já conseguiram captar muita coisa, não apenas na Amazônia, mas no cerrado do Planalto Central e na orla nordestina.

O triste dessa história é que, nesse ano de tantas irresponsabilidades, o agora fragilizado Banco Central deu exemplo de responsabilidade: enfrentou gigantescas pressões e assumiu uma antipática política monetária, repleta de efeitos colaterais, que evitou a volta da inflação e a explosão das contas externas.
Imagine como seria a crise Sivam e pasta rosa com uma inflação em alta e crise ainda maior nas contas com o exterior.

Texto Anterior: Americano mata 6 em loja do Bronx; Justiça confirma fim de seita japonesa; Premiê sai este ano, diz presidente italiano; Ex-presidente coreano pode ser internado; Jornal vence ação de parlamentar britânico; França prende dono da maior empreiteira; Café pode reduzir chance de engravidar
Próximo Texto: França estuda reduzir jornada de trabalho
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.