São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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Choque de humildade

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - O governo Fernando Henrique está de parabéns. Conseguiu entregar de bandeja ao senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) o papel de paladino da moralidade pública e do interesse nacional.
Refiro-me ao contrato Esca/Raytheon/Líder, que o senador manuseava anteontem, diante das câmeras do "Jornal Nacional", como o que diz ser prova acabada de um conluio que matará o Projeto Sivam na sua forma atual.
É claro que sempre haverá quem suponha que tudo não passou de armação, de jogo combinado. O governo arma a escada para que o senador nela suba e faça o seu show.
De minha parte, escaldado com teorias conspiratórias, prefiro acreditar que se trata pura e simplesmente de incompetência, provocada, por sua vez, pelo excesso de empáfia da tucanada.
É fato que o senador conseguiu pôr as mãos no que parecem ser provas irrefutáveis do conluio. Mas um governo menos cego de vaidade teria, há muitos meses, investigado o assunto e, sem maior esforço, teria chegado a idêntica conclusão -se é que não conseguiria dados ainda mais assustadores.
Quando o jornal "The New York Times" informou que a CIA havia plotado tentativa de suborno da firma francesa Thomsom, derrotada pela norte-americana Raytheon no caso Sivam, qualquer chefe de inteligência menos burocrático teria pensado: "Bom, se a perdedora tentou suborno, mais lógico é desconfiar-se que a vencedora também o fez. Vamos dar uma investigadinha".
Ou, então, teria ligado o desconfiômetro quando o então presidente da Esca, Steve Ortiz, em depoimento ao Congresso, afirmou que a sua empresa havia participado da escolha da Raytheon.
Mas que nada. O governo tucano, a partir do comportamento do chefe, parece tomado da inabalável convicção de que recebeu diretamente de Deus o monopólio do saber e da virtude republicana. Por isso, reage com irritação à mais simples menção dos mortais comuns de que talvez não seja exatamente assim.
Consequência inevitável: vai quebrando a cara pouco a pouco. Por enquanto em episódios menos graves, embora não tão irrelevantes quanto o governo quer fazer crer. Com o tempo, só Deus sabe o que virá.

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