São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 1995
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Preso sai e busca forças para voltar

Problema é voltar à cadeia sozinho

ALESSANDRA BLANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Vejo você no dia 2. Se Deus quiser." Era assim que os presos beneficiados pelo indulto de Natal se despediam ontem dos seus companheiros.
Eles dizem que o maior problema para quem sai é ter forças para voltar à cadeia, sabendo que tem ainda penas de 5 ou 10 anos para cumprir.
A grande maioria (95%) volta, mas quase todos chegam bêbados. "É muito difícil abandonar de novo a família. Saí a primeira vez no Natal do ano passado e voltei sabendo que passaria mais 14 anos na prisão", diz Ailton Lourenço, 36, condenado por 14 assaltos.
Lourenço é um dos 574 detentos soltos ontem da Penitenciária Professor Ataliba Nogueira, em Campinas (99 km a noroeste de São Paulo).
Lourenço conheceu sua mulher na prisão. Ela é crente e foi até lá fazer uma pregação. Eles se apaixonaram, trocaram cartas, casaram e fizeram uma filha -tudo na prisão.
Ontem, Lourenço embarcou com outros 120 presos em três ônibus fretados com destino a São Paulo.
"A primeira coisa que eu vou fazer é ir ao shopping comprar uma Barbie para a minha filha e um liquidificador para a minha mulher", diz.
No Ataliba Nogueira, os portões abriram às 14h30. Foi apenas o tempo dos presos saírem do trabalho às 12h, arrumarem suas coisas, receberem o salário de R$ 50, em média, e seguirem para casa. A data marcada para o retorno é 2 de janeiro, até as 12h.
Quem não saiu de ônibus tinha, do lado de fora do presídio, os familiares esperando.
"É muito bom sair daqui abraçado com minha mãe, minha irmã e meu sobrinho, depois de passar nove anos preso", disse Ronaldo Adriano de Moraes.
Páscoa Hernan Araya Castilho, 39, condenado a seis anos e quatro meses de prisão por três furtos, diz que pensou em não voltar.
"Voltar para a cadeia com as próprias pernas é muito duro. Saí este ano na Páscoa, passei cinco dias com a minha família e um dia antes de voltar fiquei pensando o tempo todo, mas achei melhor encarar para um dia poder ficar para sempre", conta Castilho.
No presídio de Campinas, saíram 82% dos detentos. Só são beneficiados pelo indulto de Natal presos que cumprem pena em regime semi-aberto -saem todos os dias para trabalhar, das 6h15 às 19h, mas ficam confinados à noite e nos finais de semana.
Em todo o Estado de São Paulo, foram liberados 4.193 presos para passar as festas de final de ano com a família.
Para ter direito ao indulto, o preso precisa ter cumprido um sexto da pena e estar no regime semi-aberto há pelo menos um mês. No Ataliba Nogueira, ficaram 124 presos.
No presídio de Itirapina (217 km de SP), apenas dois presos vão passar o Natal na cadeia.
O chefe da segurança do presídio prevê muito trabalho no inçio do ano que vem. "Temos que ter muita paciência porque eles chegam completamente bêbados, mas entendemos que não é fácil para eles", diz Jorge, que não quis se identificar.

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