São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 1995
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Registro dos desaparecidos deve ser implementado

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Está em vigor a Lei nº 9.140, que reconheceu a morte de pessoas desaparecidas por terem participado de atividades políticas ou sido acusadas de tal participação, entre 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1969.
A lei resultou de anteprojeto elaborado sob a direção do advogado paulista José Gregori, chefe do gabinete do ministro da Justiça. Destina-se a dar solução legal para problemas provocados pela perseguição política quando a repressão matava e, em muitos casos, ocultava os corpos. Compreende dois objetivos principais: reconhece a morte das pessoas relacionadas em anexo da lei e cria comissão especial encarregada de averiguar e proclamar outros desaparecimentos e mortes, no mesmo período. A consequência jurídica de tais providências consistirá na admissão das mortes provocadas por agentes públicos, dos desaparecimentos e do direito dos familiares de serem indenizados pelos danos materiais e morais sofridos.
A lei repercute no registro civil. Todo óbito ocorrido no Brasil, deve ser registrado para que a pessoa seja tida como morta. Sem o registro, a viúva ou o viúvo continuam legalmente casados, e os herdeiros de bens deixados pelo desaparecido não podem legalizar a herança. São dois exemplos que dramatizam a importância da lei que Gregori tratou de implementar.
O cônjuge ou companheiro, o descendente ou ascendente até o quarto grau, das pessoas relacionadas no anexo da lei, podem requerer ao oficial do registro civil que registre o óbito. O oficial podem em caso de dúvida, exigir justificação judicial. Em meu livro "Lei dos Registros Públicos Comentada lembro antiga sentença do juiz paulista Renzo Leonardi sobre a justificação e seus efeitos.
O artigo primeiro da lei é muito claro ao dispor que a morte é reconhecida para todos os efeitos de direito. A Lei dos Registros Públicos foi modificada, nessa parte, pela Lei dos Desaparecidos. Assim, resta aos registradores acatarem os requerimentos. Quando uma das pessoas indicadas no artigo 3º, pedir o registro, para o mesmo fim previsto no artigo 79 da Lei dos Registros Públicos, o óbito deve ser assentado, no local da residência do requerente. Considerando que convém evitar a repetição do mesmo registro de óbito, pedido por pessoas diversas, o oficial deverá comunicá-lo imediatamente ao registrador do lugar de nascimento do desaparecido. Havendo notícia de mais de um óbito registrado, valerá o primeiro, sendo cancelados os demais. A decisão cabe ao juízo competente, na forma da lei estadual.
Se, nada obstante a extensão da lei a todos os casos, ainda subsistir alguma dúvida, cabem dois caminhos: o da justificação na forma do artigo 88 da Lei dos Registros Públicos ou mediante orientação genérica expedida pela respectiva Corregedoria Geral da Justiça do Estado ou do Distrito Federal.
Quanto mais cedo e com menos dificuldade se resolver a questão, mais adequada será a aplicação do direito na reparação dos mais graves danos causados, na história recente do Brasil, às liberdades individuais, de crença, de posições políticas e de manifestação do pensamento. Mais adequada, embora insuficiente, para minorar as angústias e os sofrimentos dos sobreviventes.

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