São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reservas minerais e as privatizações

EDUARDO CAMILHER DAMASCENO

A privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), processo em andamento no contexto da política e nas diretrizes neoliberais do governo federal, torna oportuna uma discussão sobre as reservas minerais do país ou aquelas concedidas a uma empresa de mineração, assunto raramente abordado na imprensa.
A venda da estatal CVRD, a principal empresa de mineração nacional e uma das maiores do mundo, reveste-se de características muito peculiares, porque envolve a privatização de um enorme patrimônio, constituído não somente pelas instalações industriais e de mineração, sistemas de transporte e portuários, mas por um excepcional volume de reservas, parte em lavra, e um valioso potencial de recursos minerais -talvez um dos mais importantes do mundo- a ser pesquisado em pormenor e desenvolvido para aproveitamento no futuro.
Não se trata de apenas mais uma privatização, como as ocorridas recentemente. Nesse caso específico, está para ser privatizado um vasto patrimônio de minérios de ferro, manganês, ouro, cobre, níquel, bauxita, nióbio e titânio, citando apenas os mais significativos. Essas reservas e recursos potenciais, do ponto de vista da lei, pertencem à nação brasileira.
A somatória dessas reservas, diligente e sistematicamente definidas em sucessivas campanhas de prospecção conduzidas por dezenas de anos pela Docegeo -Rio Doce Geologia e Mineração, a subsidiária da CVRD encarregada de prospectar e definir novos depósitos e jazidas minerais-, representa uma parcela apreciável das reservas minerais nacionais, particularmente de ouro, ferro e manganês. Os dois últimos minérios, contidos nas concessões da CVRD, são de alto teor e de excepcionais características tecnológicas e econômicas, raramente existentes em outros países.
Convém recordar que aos recursos minerais sempre foi aplicado, no Brasil, o conceito legal do "res nullius", mantido pelas sucessivas Constituições, a de 88 inclusive, sendo considerados uma propriedade da nação. Mediante exigências técnicas e legais, concede-se o direito do seu aproveitamento a empresas regularmente constituídas e que demonstrem capacidade técnica e econômica para fazê-lo, visando ao bem da comunidade e à geração de divisas.
É, portanto, muito diferente o conceito de propriedade mineral, usualmente localizada e disponível no subsolo, se comparado com os direitos do proprietário de terra, por exemplo.
Privatizar reservas minerais significa privatizar um patrimônio ou uma propriedade da nação. Cabe, portanto, chamar a atenção da comunidade e dos governantes e administradores para que sejam estabelecidos critérios muito objetivos e coerentes pelos organismos que conduzem o processo de privatização da CVRD, para avaliar e ressarcir ao país o exato valor dessas reservas "in situ" (se é que possível determiná-lo!).
Na venda de uma hidrelétrica, vende-se ou aloca-se por vários anos a usina e não o rio e a água, que, como os minérios, são também recursos naturais. Agrava o cenário o fato de os recursos minerais serem não-renováveis, ao contrário da água. Uma vez consumidos, os minérios se exaurem. E novas jazidas, nem sempre com as mesmas características tecnológicas daquelas preexistentes, só podem ser definidas mediante uso de tecnologia sistemática e adequada.
Nas privatizações já feitas envolvendo patrimônios minerais, como a das minas e jazidas de fosfato -mineral apatita- do Triângulo Mineiro e planalto de Araxá, certamente não foi avaliado de modo adequado o valor real dos recursos vendidos, talvez computados com valor desprezível em relação às instalações industriais, o que não corresponde à realidade.
Uma fábrica pode ser construída, mas uma jazida mineral é gerada por sucessivos fenômenos geológicos e fisiográficos não-reprodutíveis. Uma jazida mineral constitui um legado muito especial, formado uma só vez pela natureza ao longo do tempo geológico, no decorrer de milhões de anos.
É relativamente mais fácil avaliar o preço de uma usina metalúrgica, ferrovia ou porto. É bastante complexa a determinação de quanto vale um recurso natural não-renovável. Costuma-se adotar como critério o valor presente do minério "in situ", sem levar em conta perspectivas futuras da demanda, mudanças tecnológicas, necessidades do porvir, mudanças no preço e outros cenários de difícil previsão, que se alteram no tempo, como já observado em vários episódios na história da mineração e na produção e comércio de minérios.
O não-equacionamento adequado desse aspecto crítico no processo de privatizações, aliado à falta de uma política mineral para o Brasil, poderá ser altamente danoso à comunidade brasileira.

Texto Anterior: A primeira revolta contra a globalização?
Próximo Texto: Desemprego cai 2 pontos na Argentina
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.