São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995 |
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Betinho quer trazer idosos para campanha
MARCELO COPPOLA
Betinho aposta no crescimento da Ação da Cidadania em 96, apesar de, em algumas capitais, a campanha "Natal sem Fome" não ter tido o mesmo sucesso de 95. O sociólogo promete pressionar o governo para que ele crie um plano social de grande alcance. "A miséria é muito grande e o programa Comunidade Solidária é pequeno", afirmou em entrevista à Folha na última quinta-feira. Betinho voltou a criticar a Fiesp e disse que no próximo ano lutará "corporalmente com os empresários para que eles entrem na campanha para valer". Lamentou ainda a "resignação" do brasileiro com a situação social. A seguir, trechos da entrevista. * Folha - A campanha "Natal sem Fome" deste ano terá o mesmo sucesso dos últimos dois anos? Betinho - Estou participando mais aqui no Rio, onde a arrecadação foi maior do que nos dois últimos anos. No ano passado, conseguimos cerca de 570 toneladas de alimentos. Este ano, tivemos a sorte de contar com o apoio da Bolsa de Mercadorias, que levantou cerca de 500 toneladas. Nossos cálculos são de que, no total, conseguimos em torno de 600 a 700 toneladas de alimentos, que já começaram a ser distribuídas. Cerca de 60 mil famílias vão comer nessa Natal graças a essa mobilização. Folha - E como está a campanha em outros Estados? Betinho - Não tenho ainda muitas informações. Em São Paulo, eu sei que existem várias iniciativas, mas talvez a campanha não tenha tido o mesmo impacto do ano passado. Folha - Um pesquisa do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, divulgada há poucos dias, revela que o movimento vem perdendo fôlego no país. Como o sr. vê essa retração? Betinho - Essa foi uma pesquisa feita em cinco cidades. O importante é que, em nível nacional, a ação se mantém, como indica uma pesquisa do Datafolha publicada antes. Houve variação em algumas capitais, é verdade, mas considero isso absolutamente normal. É difícil você manter uma iniciativa como essa crescendo o tempo todo. Ela avança, recua, volta a avançar. Acho isso natural. Folha - Quais os planos da Ação da Cidadania para 96? Betinho - Queremos jogar os jovens e os idosos na campanha. Juntar a energia dos mais jovens com a sabedoria dos mais velhos. Os jovens já tiveram um papel de destaque este ano. Foram a grande surpresa. Mas queremos que eles se engajem de forma ainda mais intensa. E a grande novidade será a participação dos idosos, gente entre 50 a 70 anos, uma massa capaz de sustentar este país. São pessoas que têm experiência e estão buscando um sentido para a vida. Como pode uma pessoa chegar aos 50, 55 anos, e ficar apenas de pijama em casa ou jogando dominó nas esquinas? Folha - Como o sr. pretende trazer os idosos para campanha? Betinho - Eles já estão organizados em muitas entidades. Depois do Carnaval, já que tudo no Brasil começa a partir daí, vamos mapear as entidades que trabalham com eles no Brasil. E começar a trabalhar com essas entidades. Não vamos tomar nenhuma iniciativa isolada. Queremos discutir com os idosos e ter idéias juntos. Folha - Nesta semana o sr. criticou a atuação dos empresários, especialmente da Fiesp, na área social. O sr. acredita que eles possam ter uma participação mais efetiva em 96? Betinho - No próximo ano vou lutar corporalmente, fisicamente, com os empresários. Eu quero que eles entrem para valer. O empresariado brasileiro, em geral, é ainda muito omisso. Têm setores que se manifestam, como o de alimentos aqui no Rio. Mas onde está a ação da Fiesp, que é um símbolo do empresariado nacional? Sesc/Senai? Isso é pouco. É uma ação importantíssima, mas é pouco. Nós estamos diante de um quadro de miséria espantoso. Temos um aumento da miséria e do desemprego. Em São Paulo, a taxa do desemprego formal chega a 13%, o que significa cerca de 30% a 40% de desemprego real. Então, quem é forte, como a Fiesp, tem que dar uma resposta forte. Não pode dar uma resposta tímida, normal e comum. Foi assim que chegamos a esse quadro de miséria. Folha - Como o sr. vê a atuação do governo Fernando Henrique na área social? Betinho - A verdade é que o governo federal não definiu um plano global para o social. Essa é a grande crítica que faço ao governo. Assim como há um plano econômico, que todo mundo torce para que dê certo, tem que haver um plano social para que a democracia seja viável, senão a gente pode ter a moeda mais forte do mundo junto com a maior miséria do mundo. Folha - E o programa Comunidade Solidária? Betinho - A miséria é muito grande e o Comunidade Solidária é pequeno. Estão colocando no ombro da dona Ruth, pessoa que respeito muito, e do Comunidade Solidária uma carga muito maior do que o tamanho do ombro. Folha - O sr. acha que, se criado esse plano para a área social, o governo FHC pode acabar com a fome no país? Betinho - Com a miséria não sei se há tempo, mas com a fome sim. O governo FHC deveria acabar afirmando o seguinte: ninguém mais passa fome no Brasil. Se o governo não fizer isso, estará perdendo uma oportunidade de entrar para história, de acabar com um mal secular. E perdendo uma fantástica oportunidade política, porque o plano econômico, além de ter os seus problemas, tem os seus limites. Ninguém vive de plano econômico. Caso não resolva isso, ele estará frito, será fritado pela consciência nacional. Quanto à pobreza, não podemos aceitar, mas aí já é um problema de longo prazo, de mudanças estruturais. Folha - O sr. teme algum tipo de explosão social caso esse combate à fome não tenha sucesso? Betinho - Infelizmente, digo isso com um pouco de ironia, não. Se o brasileiro fosse mais indignado, a coisa seria resolvida mais rapidamente. Mas o brasileiro ainda é muito resignado, e isso é uma coisa ruim para nós. Folha - Como o sr. vê o futuro da Ação da Cidadania? É um movimento com data para acabar? Betinho - Enquanto tiver miséria no Brasil, o movimento vai estar -como dizem os jogadores de futebol, 'comigo ou sem migo'- funcionando e crescendo. Texto Anterior: 'Somos apenas judeus que crêem em Jesus' Próximo Texto: "Esta cesta caiu do céu" Índice |
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