São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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O massacre visual

GIOVANNI VANNUCHI

Dobrei a esquina e o impacto foi imediato. A visão daqueles altos prédios e de parte do viaduto que aquela perspectiva da cidade me oferecia, até o dia anterior, foi ocultada por uma medonha lata de guaraná de mais de 10 m de altura.
São Paulo é feia? Talvez. Temos porém o direito de continuar a enxergar a cidade, entender o desenho urbano. Montanhas de lixo visual têm soterrado cada vez mais fundo esse direito do cidadão.
Já não basta a insensibilidade da maioria dos ocupantes de edifícios comerciais que, na ânsia de aparecer mais que seus vizinhos, vão criando colagens insensatas de luminosos e painéis. A própria prefeitura passou a ser um dos principais agentes desse massacre visual a que submetem nossa cidade.
É inegável que a parceria poder público/iniciativa privada é solução para muitas questões. Mas quando a volúpia arrecadadora da prefeitura vai de encontro à busca incessante dos anunciantes por "mídias alternativas, o resultado é desastroso.
Será fundamental que o terceiro maior orçamento da União precise aplicar luminosos sobre os pontos de ônibus para poder oferecer um equipamento urbano adequado? Existe coerência por parte do prefeito quando, ao mesmo tempo em que se "preocupa com a fumaça nos restaurantes, permite que milhões de pessoas sejam submetidas à promoção maciça das marcas de cigarros, por meio de totens de informação pouco confiáveis?
Ficou claro agora que a preocupação com o verde se referia não às esquálidas mudas que a prefeitura plantou, mas às nada ecológicas cerquinhas de plástico verde. Não cabe aqui discutir a validade das obras executadas, mas somente interesses eleitoreiros justificam a permanência das placas dessas obras meses após sua inauguração.
A lista de absurdos poderia se estender mais e mais -como nas placas de identificação das ruas, nas quais a informação que realmente interessa tem metade da dimensão da placa promocional agregada a ela.
A poluição visual no nível do solo chegou a tal ponto que os anunciantes desenvolveram uma perversa solução: a ocupação do espaço aéreo urbano. Totens gigantescos se proliferam ocultando com seus agressivos luminosos perspectivas da cidade até há pouco preservadas. Nesse passo, num futuro próximo, as luzes dos semáforos concorrerão com as dos luminosos que os patrocinem.
As empresas anunciantes não se deram conta de que o estado atual assemelha-se a uma situação em que gritam tantos ao mesmo tempo que ninguém escuta mais ninguém.
Ações por parte dos órgãos públicos devem ser tomadas de imediato. Não se aceita que a prefeitura tenha se convertido em cafetina do corpo urbano, explorando um espaço público que não lhe pertence, mas sim aos cidadãos que tentam sobreviver de forma harmônica nesta querida/caótica metrópole.

GIOVANNI VANNUCCHI, 38, designer gráfico e arquiteto, é sócio da Oz Design.

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