São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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O revigoramento do mercado de ações na ordem do dia

ROBERT JOHN VAN DIJK

O avanço do mercado de ações em 1995 não é animador. Os volumes diários de negócios na maior Bolsa do país têm alcançado patamares da ordem de US$ 100 milhões, quando a média de dezembro de 1994 chegou perto de US$ 600 milhões. O estreitamento da liquidez e o acirramento da competição por clientes já afetam a indústria de intermediação, com algumas corretoras de valores fechando as portas.
Durante o ano, alguns fatores influenciaram negativamente o comportamento dos negócios: a crise do México e o aperto monetário subsequente; o monótono vai-e-vem das reformas da Constituição; o prenúncio de uma crise bancária ainda não totalmente dimensionada. Relacionado ao mercado, tivemos novas restrições aos investidores estrangeiros, agora proibidos de fazer operações de "hedge" nos mercados de derivativos, inclusive nos mercados de opções de ações. Tivemos também a tentativa de inclusão dos ganhos de capital de investidores estrangeiros na tributação do Imposto de Renda.
Entretanto, nada disso explica totalmente o atual quadro de apatia que tem dominado as Bolsas de Valores. São fatores certamente agravantes, porém não exatamente determinantes desse quadro negativo. Por trás desses fatores existem variáveis de natureza estrutural, relacionadas às funções do mercado numa economia em transformação como a nossa, e sobre as quais deve caber uma atuação efetiva das autoridades governamentais visando revigorar o setor.
Dada à limitação do espaço, gostaria de considerar apenas três questões que julgo relevantes para o atual momento do mercado brasileiro. Em primeiro lugar, a questão da globalização. O processo de inserção do mercado brasileiro no contexto internacional contém sérias imperfeições, que afetam a disposição dos investidores estrangeiros em trazer recursos para o país e limitam o acesso do investidor nacional às oportunidades do mercado internacional de capitais. É importante caminharmos para uma abertura plena do nosso mercado, removendo as restrições burocráticas da legislação do Anexo IV, permitindo a participação do investidor estrangeiro pessoa física em operações em Bolsas no Brasil e eliminando as atuais distorções da legislação dos DRs (Depositiry Receipts).
Essas imperfeições têm estimulado o investidor estrangeiro a operar com ações de companhias brasileiras no mercado norte-americano, através de ADRs. Lá não há burocracia, não há a incerteza quanto à aplicação ou não de tributos e nem proibição a operações de "hedge". A permanecer este quadro, perdemos não apenas a oportunidade de atrairmos recursos para o país, mas também uma parcela crescente da liquidez das Bolsas nacionais em proveito dos mercados internacionais.
A segunda consideração refere-se às distorções estruturais do mercado brasileiro, em especial a incidência do mercado primário, a acentuada concentração dos negócios nas Bolsas em um pequeno número de ações e a baixa relação entre ações ordinárias e preferenciais nos negócios realizados nas Bolsas. Embora o tema mereça uma abordagem certamente muito mais exaustiva do que permitiria o espaço deste artigo, penso que pelo menos um aspecto da questão pode ser sublinhado aqui: é necessário retomarmos o debate em torno da reformulação da Lei das Sociedade Anônimas, no sentido de se aprimorar os atributos e atrativos do produto ação. De fato, se pretendermos criar um capitalismo popular, na linha do que foi feito na Inglaterra e no Chile, é fundamental que sejam assegurados aos acionistas preferencialistas, vantagens econômicas (por exemplo, garantia de dividendos) e/ou benefícios decisórios (por exemplo, direito de voto).
O terceiro ponto refere-se à reforma da Previdência Social. É importante esclarecer à opinião pública que o equilíbrio do sistema está comprometido pelo esquema financeiro de repartição simples que o sustenta -a geração ativa atual financia o contingente atual de inativos. A eficácia desse esquema depende diretamente da relação contribuinte/beneficiário, que vem sofrendo acentuada deterioração nas últimas décadas. Há 40 anos existiam cerca de oito contribuintes para cada beneficiário da previdência. Hoje existem pouco mais de dois. Ou seja, se nada for feito, o sistema não terá condições de garantir os direitos constitucionais dos futuros beneficiários. Portanto, a reforma deve priorizar o esquema de financiamento alternativo, baseado na capitalização das contribuições (a geração ativa atual financia a futura geração de inativos).
Além de assegurar o equilíbrio financeiro da previdência, o esquema de capitalização tem a enorme vantagem de impulsionar a formação da poupança nacional, fator indispensável para o crescimento econômico sustentado. Naturalmente, uma reforma deste tipo terá um impacto fortemente positivo sobre o mercado de capitais, por onde deverão transitar os recursos da previdência, a caminho do financiamento das empresas.
A reforma da previdência deverá inaugurar um novo marco na relação capital-trabalho, na medida em que as novas fundações de seguridade serão os grandes acionistas das empresas. Juntamente com o aprofundamento do programa de privatização e com a implementação de planos de participação de empregados no capital das empresas, a reforma da previdência tem muito a contribuir para viabilizar uma efetiva democratização do capital no Brasil.
Para que o mercado de capitais possa colaborar com o atual processo de modernização da economia brasileira, é necessário que as autoridades governamentais atentem para essas questões estruturais. Aprimoramentos na legislação do capital estrangeiro, melhorias na Lei das Sociedades Anônimas e uma competente reforma da Previdência Social, são requisitos fundamentais para revigorar o mercado de ações e colocá-lo a serviço do desenvolvimento econômico do país.

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