São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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'Negócio da China' chega ao sertão do Nordeste

PAULO MOTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

Em busca de novos mercados e atraídos por incentivos fiscais, empresários de Taiwan estão transformando o sertão do Ceará em uma nova zona de investimentos.
Taiwan é um dos chamados "tigres" do sudeste asiático, grupo de países que, nos últimos anos, vem apresentando forte desenvolvimento econômico. O país foi formado em 1949, quando se separou da China comunista.
Os chineses estão há dois anos em Acarape (70 km ao sudoeste de Fortaleza), onde criaram um pólo confeccionista. O grupo Yamacon, de Taiwan, já investiu R$ 100 milhões no local. Foram construídas cinco fábricas, que empregam 1.600 pessoas, e cooperativas, agrupando mais 1.600.
Em um protocolo de intenções firmado com o governo do Ceará em 1993, outros 26 grupos empresariais de Taiwan abriram a possibilidade de investir, nos próximos três anos, cerca de R$ 400 milhões no Estado. Quatro novas empresas já estão em fase de implantação.
A chegada dos "tigres asiáticos" está mudando o perfil de Acarape. A arrecadação de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) pulou de uma média mensal de R$ 30 mil para R$ 380 mil, registrado em novembro. A oferta de emprego, que antes dependia da decadente cultura da cana-de-açúcar, agora vem das fábricas.
O vice-presidente do grupo Yamacon, Chai Suh Chong, que adotou o nome brasileiro de Marcos Chai, diz que o interesse dos chineses de Taiwan pelo Ceará é explicado pela política de incentivos fiscais oferecida pelo governo do Estado, a mão-de-obra barata e a localização estratégica no continente sul-americano.
"Pagando um salário até dez vezes menor do que o de Taiwan, nós podemos ter acesso ao promissor mercado da América Latina, produzindo com a mesma qualidade", afirma Chai.
A âncora do investimento da Yamacon em Acarape é a fábrica de calças jeans Kao Ling. Em torno dela, gravitam uma fábrica de máquinas industriais de costura, uma fábrica de motores, uma de gelatinas e outra de ventiladores.
Com capacidade para produzir 7,2 milhões de calças por ano, a Kao Ling fez uma parceria com 13 prefeituras da região de Acarape para terceirizar sua mão-de-obra.
A fábrica entrega as calças cortadas e os funcionários de 20 cooperativas criadas pelas prefeituras se responsabilizam pelo acabamento final. As cooperativas funcionam em prédios construídos pelo governo do Ceará em terrenos cedidos pelas prefeituras.
Os trabalhadores se unem para formar as cooperativas, que recebem as partidas de jeans para fazer o trabalho de acabamento, que é pago pela Kao Ling.
As máquinas de costura são compradas pelo BEC (Banco do Estado do Ceará) e entregues para as cooperativas, que só passarão a ser donas do maquinário quando quitarem o financiamento.
Os trabalhadores das cooperativas não recebem salário, mas dividem o pagamento recebido, após descontar os gastos. Com isso, não têm direitos trabalhistas, como férias ou 13º salário.
O treinamento dos operários é feito pela própria empresa Kao Ling, em um centro de formação construído pelo governo do Ceará.
Segundo o gerente da Kao Ling, Ariovaldo Barion, a opção pela terceirização, além de simplificar e diminuir os custos operacionais, tem "alto teor" social. "Estamos expandindo a oferta de empregos numa das regiões mais pobres do Brasil", declara.
Barion afirma que nas cooperativas, a média de rendimento por operário é de R$ 180 mensais, o que ele considera "bastante razoável" para os padrões da região. Chai diz que nas fábricas a média salarial é de R$ 300,00.
Cerca de 90% dos componentes dos motores e das máquinas são importados de Taiwan e montados em Acarape. De acordo com Chai, os operários cearenses levam até seis meses para aprender a manejar os equipamentos.
O empresário afirma que 80% dos produtos fabricados em Acarape são destinados ao mercado nacional. Segundo ele, os produtos cearenses têm a mesma qualidade dos feitos em Taiwan.

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