São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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Que se note

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - É véspera do Dia da Confraternização Universal, o que me permite uma rara cena de confraternização com governistas.
No caso, com Tasso Jereissati, o governador tucano do Ceará. A avaliação que Tasso fez dos episódios recentes (Sivam, pasta rosa etc) é esta: "Só repercutiu na opinião pública entre aspas dos palácios de Brasília".
Bingo. A pesquisa Datafolha que este jornal publica hoje dá inteira razão a Tasso. Antes como depois desses fatos a popularidade do presidente da República continua rigorosamente onde estava. Ótima, dirão os governistas. Razoável, acho eu.
Suspeito que os governistas somarão os 41% de "ótimo/bom" aos 40% de "regular" e estufarão o peito para dizer que FHC tem 81% de aprovação popular.
Eu, mais exigente, sempre acho que "regular" não se soma a nada, mas, como de hábito, sou minoritário, paciência.
Voltando ao ponto: enquanto a inflação se mantiver relativamente baixa, o prestígio do presidente estará conservado em formol e não se deteriorará. Antes de FHC, já fizeram essa descoberta o argentino Carlos Menem e o boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada.
Não há pasta rosa ou de qualquer cor que abale a popularidade presidencial nessas circunstâncias. Na Argentina, aliás, houve episódios bem mais feios do que a pasta rosa, envolvendo o círculo íntimo presidencial, e nem por isso Menem deixou de se reeleger.
Bom, agora chega de confraternização e passemos a palavra a um leitor, aliás argentino, o professor e investigador da Unicamp Luis Enrique Aguilar. Ele escreve para lembrar um ditado argentino que diz: "Se há miséria, que não se note".
Vale não apenas para a miséria no sentido literal do termo, mas para todos os tipos de miséria. O "que não se note" valeu, na Argentina, para "toda a desgraçada história institucional dos últimos 60 anos", diz Aguilar. Para "golpes, desaparecidos, analfabetos, pobres, miseráveis, corruptos, traficantes, desempregados, inflação etc".
Agora, é torcer para que o governo, inebriado pela popularidade, não se limite ao "que não se note" em relação à misérias mais graves e/ou mais sórdidas do que a pasta rosa e cia.

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