São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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"Fin-de-siècle"

Literatos como Oscar Wilde e Paul Verlaine ajudaram a criar, no fim do século 19, a aura decadente que acabou firmemente associada à expressão "fin-de-siècle".
Mas, se o fim de século vitoriano teve seus lances de decadência com elegância, este final de século 20 é sem dúvida não apenas muito mais deselegante. É principalmente, como sublinha artigo de Rubens Ricupero publicado ontem nesta Folha, uma época desesperançada.
Simbolistas e românticos podiam pintar a realidade como decadente, principalmente em reação à industrialização massificante do mundo e da vida. Mas hoje se sabe que aquela época foi também de grandes esperanças, revolucionárias ou não. Podia-se lamentar o fim de um mundo, mas havia claros sinais de um mundo novo em formação.
Hoje o quadro é melancólico e 1995 termina, nas palavras de Ricupero, com um forte sabor de mediocridade e cinzas.
Não faltam, é verdade, sinais alvissareiros. Eles vão da revolução informática à superação de alguns conflitos regionais na Europa ou no Oriente Médio, da superação gradual da crise mexicana à expansão de novos dínamos de crescimento, especialmente no leste, na China e entre os tigres asiáticos.
As projeções de crescimento econômico global são porém medíocres e declinantes. O desemprego resiste às políticas compensatórias e a marginalização de um grande número de indivíduos acompanha como uma sombra o avanço da tecnologia em todos os campos.
Os Estados nacionais, depois de mais de uma década de esforços bastante generalizados de racionalização, privatização e desregulamentação, continuam em sua maioria submersos em crises fiscais e previdenciárias ainda graves.
Assim, vai-se gradualmente passando de uma euforia com o avanço de propostas de modernização e globalização para atitudes mais sóbrias e cautelosas, quando não francamente céticas.
Não deveria surpreender, nesse cenário, a vigorosa expansão de variadas formas de irracionalismo religioso, étnico e nacional. Paradoxalmente, isso ocorre quando mais se proclamava o fim do Estado nacional e a universalização dos padrões econômicos e culturais.
O futuro é tão incerto quanto no final do século 19, ou de qualquer outro. Mas talvez nunca tenha sido tão custoso resgatar a esperança.

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