São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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México e a marcha da insensatez neoliberal

ALOIZIO MERCADANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em setembro de 1982 o México decretou uma moratória, projetou a crise da dívida externa e deu início ao longo período de estrangulamento da América Latina. Como estávamos as vésperas das eleições no Brasil, o governo militar escondeu por dois meses a verdadeira condição do país para declarar sua rendição ao FMI.
Mais uma vez o México sai na frente e seu colapso cambial é a crise de um modelo de ajuste estrutural neoliberal impulsionado pelo FMI e Banco Mundial. Um modelo que se consolidou no México e que tem sido vitorioso no debate político e ideológico.
O neoliberalismo venceu a esquerda nas eleições em quase todos os países do continente, no Brasil pela segunda vez, mas revela toda sua fragilidade na crise venezuelana; na crise potencial da Argentina e na bancarrota mexicana, apresentado como a principal referência exitosa na América Latina.
A margem de manobra da sociedade mexicana é muito pequena, a soberania do país está profundamente abalada e os custos econômicos e sociais serão elevadíssimos, mas o governo conservador do PRI está se rendendo à pior saída: aprofundar o ajuste e a dependência econômica e financeira do país.
O governo Clinton liberou apenas US$ 20 bilhões da "ajuda" que havia prometido, recursos do Fundo de Estabilização Cambial do Tesouro, sem consulta ao Congresso, e transferiu para o FMI e demais países a modesta conta de US$ 30,7 bilhões.
As reservas cambiais mexicanas estão em US$ 3,48 bilhões e os compromissos de US$ 28,9 bilhões de Tesobonus, mais US$ 16,1 bilhões da dívida externa antiga, mais o déficit comercial que atingiu US$ 22 bilhões em 1994 e ainda a rolagem da dívida pública interna são muito superiores ao apoio financeiro concedido. A crise mexicana está longe de se resolver e tem um significado fundamental para o Brasil.
O governo dos EUA força com esta atitude um aprofundamento do ajuste estrutural neoliberal no México e exige o controle das receitas de exportações, uma atitude que remonta definitivamente ao nosso passado colonial.
O Nafta e a âncora cambial foram os grandes responsáveis pelo colapso financeiro-cambial do México e a economia americana a grande beneficiária de todo o processo.
O México é hoje o terceiro parceiro comercial dos EUA. Nada menos que 70% das exportações e 65% das importações mexicanas são com os EUA. Os EUA são responsáveis por US$ 13 bilhões de dólares no déficit comercial de US$ 22 bilhões em 1994. Isto porque o Nafta foi uma integração induzida, forçada, como tem sido todo o ajuste neoliberal.
A Comunidade Econômica Européia iniciou seu processo de integração em 1957, com países menos desiguais, definindo fundos de compensação para os custos econômicos e sociais da integração, permitindo áreas de salvaguardas e exclusão e estendendo o processo de integração ao mercado de trabalho.
O Nafta integrou uma economia de US$ 5,2 trilhões com uma economia de US$ 310 bilhões sem qualquer destas condições e ainda no contexto de uma sobrevalorização do peso mexicano.
Na agricultura, o impacto foi dramático, desorganizando a produção de mais de 10 milhões de agricultores mexicanos. Isto porque a agricultura americana tem uma média nos últimos cinco anos de 5,812 toneladas de fertilizantes por trabalhador ocupado, contra apenas 192,9 quilogramas no México.
Nada menos que 209 colhedeiras mecânicas para cada 1.000 trabalhadores, contra apenas dois no México. A produtividade média do milho nos EUA é de sete toneladas por hectare plantado, contra 1,7 no México. No feijão, a diferença é de 1,6 toneladas para 542 quilogramas.
O custo médio de produção do milho nos EUA é de US$ 92,7 por tonelada, contra US$ 258,62 no México; no feijão, a diferença é de US$ 219,13 para US$ 641,17; no arroz, de US$ 189,89 para US$ 224,20; e na soja, de US$ 184,26 para US$ 324,64.
O Nafta também desorganizou a produção industrial, porque as empresas tiveram uma atitude passiva e mercantil diante da reestruturação e só mantiveram alguns produtos de grandes vantagens comparativas, passando a importar componentes e comercializar produtos prontos.
A elite e a classe média se deslumbraram com os importados, a mesma euforia que começa a tomar conta do comércio no Brasil com o Plano Real e sua âncora cambial.
O grande interesse estratégico dos EUA na crise mexicana é barrar a imigração potencial de 300 mil trabalhadores por ano; proteger os investidores americanos, responsáveis por 85% dos Tesobonus em circulação e, principalmente, assegurar o controle das reservas petrolíferas. O FMI e o Banco Mundial tentam desesperadamente salvar o fracasso de sua principal experiência. E nós somos chamados a pagar uma parte desta conta.
O México tem 5,63% das reservas mundiais de petróleo, reservas próprias para 59 anos com o nível de consumo atual. Os EUA têm apenas 2,58% das reservas mundiais, suficientes para apenas mais nove anos para o nível de consumo atual da sociedade americana.
O México estava produzindo cerca de 168 mil barris/dia, contra apenas 86.000 dos EUA. O México já "flexibilizou o monopólio", como querem fazer agora no Brasil. Dos 19 subprodutos do petróleo, restam apenas oito sob controle do Estado, além de parcerias para as nova refinarias, já está em andamento.
Os EUA importam 73% da produção de petróleo mexicana e agora querem o controle da Pemex e das reservas, como já conseguiram na Argentina e brevemente na Venezuela. As reservas mexicanas aumentariam a autonomia energética dos EUA para 20 anos.
Portanto, a solidariedade ao México não é o governo FHC e o Congresso Nacional aceitarem as imposições de cotizar com esta "ajuda" e participarmos deste processo de comprometimento definitivo da soberania de um país, nem salvar os especuladores de Wall Street.
O Brasil precisa assumir suas responsabilidades no continente, rever e tencionar este processo de ajustamento neoliberal que fragiliza financeiramente o país frente ao capital especulativo internacional.
Nós devemos manter o controle do Estado sobre os setores estratégicos, particularmente o petróleo, e não encaminhar a quebra do monopólio público ou privatizar empresas estratégicas exatamente no momento de queda da Bolsa, instabilidade financeira e imensos riscos na economia internacional.
Paralelamente, temos que reverter estes déficits comerciais e racionalizar a abertura econômica utilizando todos os espaços que o Gatt permite. O país importou 100 mil carros nos dois últimos meses do ano, com o silêncio cúmplice das montadores, que são grandes importadoras.
O governo precisa ativar as câmaras setoriais, incluindo a adoção de cotas para importações, por sinal como a economia americana utiliza para as importações de automóveis, e iniciar processos de antidumping em várias áreas que os indícios são evidentes.
E o mais delicado e importante: a equipe econômica precisa rever o quanto antes esta irresponsável âncora cambial. A defasagem de 25% no câmbio já se apresentou no déficit comercial de US$ 1,5 bilhão no final do ano e os estímulos das ACC's mascaram os problemas, exigem juros elevados e não resolvem o crescimento das importações.
O país precisa migrar lenta e seguramente do câmbio fixo, promover a reforma fiscal e tributária e construir uma política de rendas negociada, acionando as câmaras setoriais para viabilizar uma estabilização monetária que não desestabilize a produção, incluindo um período mínimo de quarentena como o Chile já exigiu no passado.
O Brasil adiou o ajuste neoliberal, especialmente com o impeachment de Collor. Este tempo que conquistamos nos permite verificar os graves equívocos deste modelo. Nossas condições são mais favoráveis, pelas reservas cambiais ainda disponíveis, porque o déficit comercial ainda é pequeno, ou seja, porque o Plano Real está apenas no seu início.
A reforma da Constituição será um momento particularmente decisivo em nossa trajetória. A agenda das reformas apresentada pelo governo está essencialmente subordinada a esta lógica marcada pela marcha da insensatez neoliberal.
A grande ajuda que o Brasil deve dar ao México e a todo o continente é mostrar um novo caminho em direção a um projeto nacional de desenvolvimento que permita reconstituir os verdadeiros laços de solidariedade na América Latina.

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