São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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NOSSO JUDÔ É MAIS CRIATIVO

RÉGIS ANDAKU; JOÃO CARLOS DE ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco dinheiro, mas muitas medalhas. Pouco público, mas muitos atletas.
Pouco assistido mas muito praticado no Brasil, o judô é terceiro esporte que mais medalhas ganhou em Olimpíadas —menos apenas do que atletismo e iatismo.
O esporte vive há dez anos essa contradição: ao mesmo tempo que conquista expressivos resultados, não consegue espaço na mídia, nem ajuda para participação em competições internacionais.
O sucesso de um esporte que não é coletivo, nem de massa no Brasil deve-se muito, segundo os principais nomes do judô, à forte imigração japonesa.
E à apurada técnica brasileira, aprendida dos mestres japoneses que difundiram o esporte e que foi "adaptada" pelos judocas.

História
O judô surgiu no século passado, criado no Japão por Jigoro Kano, que começou estudando o jiu-jitsu, outra arte marcial.
Através de uma síntese de diversas escolas, Kano desenvolveu os fundamentos do judô.
Desde 1908 no Brasil, o esporte passou a ser praticado por japoneses radicados principalmente em São Paulo e seus descendentes.
Esporte olímpico desde 64, a primeira medalha olímpica conquistada pelo judô brasileiro foi em Munique, em 72, com o meio-pesado Chiaki Ishii. Ele é japonês naturalizado brasileiro.
"Nossa técnica é muito parecida com a japonesa", afirmou Rogério Sampaio, 27, que ganhou ouro em Barcelona em 92.
"O nível do judô no Brasil é um dos melhores do mundo", declarou o medalhista.
Para Mônica Angelucci, 26, medalha de ouro no Pan de 87, em Indianápolis, os atletas brasileiros "roubaram" dos japoneses a "perfeição e os detalhes".
Ela afirma a vantagem de ter sido influenciado pelos japoneses é que o judô brasileiro buscou inspiração na prática original.
"O nosso estilo é mais clássico, bonito e acaba surpreendendo os adversários nos detalhes", diz.
Geralmente mais baixos e com menor envergadura (braços menos longos), os judocas brasileiros trouxeram da técnica japonesa a agilidade e a rapidez nos golpes.
Segundo Aurélio Miguel, 30, medalha de ouro em Seul, esse estilo foi aperfeiçoado aqui para conseguir sucesso frente aos atletas europeus.
Os judocas europeus, mais fortes e altos, se caracterizam pela força e vigor físico.
"Nós tentamos compensar o físico com a agilidade. Procuramos desequilibrar o adversário, usar a velocidade", diz Shigueto Yamazaky Jr., 28, medalha de ouro no Pan-Americano de Cuba, em 91.
Na opinião de Soraia André, 30, também medalha de ouro no Pan de Indianápolis, à técnica japonesa foi acrescentada a "ginga e a criatividade brasileira".
"É aquele jeito malandro, ligado ao brasileiro" afirma Soraia.
"O Brasil tem todos os ingrediente para o sucesso: disciplina, dedicação, que pegamos dos mestres, talento, por causa do grande número de praticantes, e ginga e criatividade, marca nacional" diz.

Ocidentalização
Para Yamazaky Jr., as medalhas conquistadas em Jogos Olímpicos deram um grande estímulo aos iniciantes e popularizaram o esporte.
"Hoje os 'ocidentais' estão praticando judô em bom número", afirmou Aurélio.
"Na seletiva para o Pan, por exemplo, a maior parte dos judocas não era formada por descendentes de japoneses", completou.
Rogério Sampaio elogia também o avanço científico no esporte. "As pesquisas e a educação física estão melhorando no país e ajudam muito", afirmou.
A prática do judô pelas mulheres, no entanto, não obteve até aqui os mesmos resultados.
Segundo Angelucci, o preconceito impedia que as mulheres praticassem uma arte marcial.
"Mas a situação está mudando", afirmou. "Um maior número de mulheres está procurando o esporte", disse a judoca.

Obstáculos
O maior problema dos judocas brasileiros é a falta de patrocínio. Muitos atletas também reclamam da falta de apoio da Confederação Brasileira de Judô.
Yamazaky Jr. é um exemplo. Ele não participou da seletiva para os Jogos em Mar del Plata por problemas financeiros.
"Somos nós, atletas, que temos que pagar os preparativos para o Pan. A Confederação quer que os classificados treinem um mês na Europa pagando tudo do próprio bolso", reclama.
"Eu não posso me ausentar da minha academia por dois meses e ainda desembolsar cerca de R$ 4.000", disse Yamazaky.
Segundo Aurélio Miguel, "falta empenho das entidades oficiais, principalmente da CBJ".
Para ele, a falta de divulgação é o principal obstáculo para a massificação do judô no Brasil. "O esporte já provou que é viável."
Aurélio critica a falta de trabalho "profissional" para capturar novos adeptos. E usa como exemplo um outro esporte de origem japonesa no Brasil: o beisebol.
"Sei que o beisebol é um esporte emocionante, mas como não fui instruído para apreciar o jogo, não presto muita atenção. É a mesma coisa com o judô no Brasil."
Ele afirma que se a CBJ não fizer um trabalho "pedagógico", não terá sucesso na massificação do esporte no país.
Aurélio toma a França como exemplo a ser seguido. "Nos últimos anos, conseguiram aumentar o número de praticantes, ganhar espaço na mídia e se tornar o país mais forte da Europa."

Clã
A Confederação Brasileira de Judô, que é presidida por Joaquim Mamede Jr., alega falta de recursos para pagar as despesas de preparação dos atletas.
O presidente sucede seu pai na CBJ, exercendo seu segundo mandato. Ele foi reeleito em março de 94. O mandato é de três anos.
Com a finalidade de pedir apoio ao judô, Aurélio Miguel se encontrou em Brasília com o ministro extraordinário dos Esportes, Édson Arantes do Nascimento.
"Como Pelé foi um esportista, tenho esperança de que ele faça uma boa gestão e ajude o judô", afirmou Aurélio.

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