São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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O MESTRE

Massao Shinohara, 70

RÉGIS ANDAKU
DA REPORTAGEM LOCAL

Massao Shinohara, 70, teve um professor de judô por apenas três dias, em 1941. No quarto dia, seu mestre resolveu voltar ao Japão.
Shinohara decidiu então aprender sozinho aquele esporte que achou tão "bonito" para poder ensinar a outras crianças que íam à escola de japonês com ele.
Uma das crianças que Shinohara ensinaria anos mais tarde a lutar judô chama-se Aurélio Miguel.
Brasileiro de Presidente Prudente (558 km a oeste de São Paulo), Shinohara até hoje ensina as crianças na academia que tem, na Vila Sônia (zona oeste de São Paulo).
Shinohara é mestre no oitavo "dan". Usa uma faixa vermelha e branca, hierarquicamente acima da faixa preta.
Apesar de considerar hoje o judô um esporte menos bonito, ainda pratica com vontade.
E garante, em entrevista à Folha, que o judô que pratica e ensina há 53 anos "salvou a vida" de pelo menos um aluno seu.
(RA)

Folha - Há quantos anos o senhor pratica judô?
Shinohara - Há 53 anos. Comecei com 17 anos. Eu lutava kendô (um tipo de arte marcial) desde os sete anos.
Folha - E como mudou de esporte? Por que passou para o judô?
Shinohara - Tive um vizinho que se dispôs a me ensinar o judô à noite, quando voltava da roça.
Folha - Por quanto tempo o senhor teve aulas com esse seu vizinho?
Shinohara - Por apenas três dias. No quarto dia de aula, meu mestre decidiu voltar ao Japão. Era na época da Segunda Guerra Mundial.
Folha - Depois disso, como continuou a aprender e praticar?
Shinohara - Eu continuei estudando sozinho. Lia os livros de judô que tinha e tentava ensinar outras crianças. Até hoje ensino o esporte.
Folha - Quem foi o seu melhor aluno nesses 53 anos?
Shinohara - O que se tornou mais conhecido e obteve os melhores resultados foi o Aurélio Miguel. Mas tive vários alunos tão bons quanto ele, que, no entanto, não ganharam medalha em Olimpíada, nem ficaram famosos.
Folha - O Aurélio Miguel tinha talento para o judô desde pequeno?
Shinohara - Ele era muita disciplinado. Um bom garoto. O Aurélio Miguel se aplicava muito nos treinos.
Folha - Ele ainda vem até a sua academia treinar com o senhor?
Shinohara - Sim. Quando está em São Paulo, costuma passar por aqui.
Folha - Outro aluno bom que passou por suas mãos é o Luís Onmura, não?
Shinohara - É. Ele ganhou prata em Los Angeles (Olimpíada de 84).
Folha - Por que o judô brasileiro é um dos melhores do mundo?
Shinohara - Porque tem vários atletas muito talentosos e técnicos.
Folha - No judô, a força não é também importante?
Shinohara - Sim. É lógico que um atleta, se tiver força e técnica, ganha a luta.
Mas os brasileiros, que às vezes enfrentam adversários europeus mais fortes, compensam com a técnica.
Folha - Além da técnica e do talento, o que mais faz do judô brasileiro vitorioso?
Shinohara - A dedicação. Se tiver talento, é bom. Mas só talento também não dá certo.
Tem que praticar com vontade, levar a sério e se sacrificar.
Folha - Qual a diferença entre o judô de competição atual e a luta original do judô?
Shinohara - Antigamente era mais bonito. A técnica ganhava da força. Agora, quase não há mais ippons.
Parece que hoje, para os judocas, é mais importante ganhar do que praticar.
Folha - Isso o deixa triste?
Shinohara - É que antes, quando comecei a praticar, também não tinha muitas competições.
Era algo mais disciplinado, voltado para a prática, apenas. Os professores de judô eram mais rígidos.
Não havia o objetivo de ganhar uma Olimpíada, por exemplo.
Folha - O que o senhor mais tenta passar aos seus alunos nas aulas que dá?
Shinohara - A praticar o judô com seriedade e disciplina. Vencer é bonito, mas não é tudo.
Folha - Mas a maioria não quer praticar para participar de uma Olimpíada?
Shinohara - Eles aprender que vencer não é tudo.
Um exemplo: tive um aluno, há cerca de 30 anos, que era muito bom, mas ficou convencido, achando que era o melhor.
Ele começou a atrapalhar as aulas. Por ser forte, deixava os outros alunos inibidos.
Um dia, cheguei e disse: "A aula hoje é uma luta entre nós dois. Os outros vão assistir, somente".
Lutamos e eu venci. Ele chorou muito naquele dia, mas aprendeu que era melhor praticar com seriedade do que querer ganhar de todos.
Folha - O senhor ainda tem contato com esse seu aluno?
Shinohara - Sim. Ele é policial e costuma fazer ronda na região onde moro.
Folha - Ele se lembra desse fato?
Shinohara - Toda vez que o vejo trabalhando, ele me cumprimenta gentilmente e pergunta como eu estou.
Eu sempre penso: "Acho que o judô que lhe ensinei salvou a vida dele".
Folha - Qual é o maior problema do judô no Brasil?
Shinohara - Muitos alunos não têm seriedade. Acham que é brincadeira. Se bagunçam, não são judocas. Se bagunçam, não praticam judô.
Folha - O que o senhor mais aprecia nos judocas brasileiros?
Shinohara - A vontade de aprender. Fico muito feliz quando eu vejo um aluno meu saindo do treino bastante cansado, suado.
O bom aluno é aquele que acha que todo treino é uma competição. E que tenta fazer bonito em todos os treinos.

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