São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Romário está decadente, segundo Cruyff

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o holandês Johann Cruyff, o brasileiro Romário é um jogador em decadência. O técnico do Barcelona acredita que o atacante do Flamengo não voltará mais a jogar como no Barcelona ou na Copa.
Segundo o ex-treinador de Romário, o jogador está mal preparado e desestimulado.
A Folha procurou Cruyff logo após a tumultuada transferência de Romário para o Flamengo.
O treinador disse então que não gostaria de falar sobre seu ex-comandado.
"Se for falar agora, vou falar mal. Então prefiro não falar nada", disse o holandês no dia em que Romário vestia a camisa do Flamengo.
Na última semana Cruyff aceitou tocar no assunto Romário. Nesta entrevista exclusiva à Folha, ele fala sobre sua admiração e sua decepção com o melhor jogador do mundo em 1994, segundo a Fifa.

Folha - Como você vê Romário tecnicamente, fisicamente e pessoalmente?
Cruyff - Tecnicamente, Romário não perdeu nada, pois a técnica é algo que um jogador não perde nunca. Fisicamente e pessoalmente desconheço a sua situação agora, pois já faz algum tempo que ele deixou o Barcelona. Só sei o que tenho lido na imprensa.
Folha - Você se considera traído por Romário?
Cruyff - Não me acho traído, pois a forma de atuar de Romário é a sua maneira de ser. Ninguém pode mudá-lo.
Todo mundo sabe que Romário tem coisas boas e ruins. Em alguns momentos o que ele não sabe fazer é valorizar o que os outros lhe proporcionaram.
O Barcelona lhe deu a oportunidade de sair da Holanda, de voltar a ser um jogador importante, de primeira classe, de jogar uma Copa e ganhá-la com o Brasil.
Folha - Romário pode voltar a jogar bem como fez no Barcelona e na Copa?
Cruyff - Cada vez fica mais difícil, por várias razões.
Primeiro porque cada ano que passa soma um ano a mais na sua carreira.
Segundo porque agora dificilmente ele encontrará a motivação que tinha no ano passado, de chegar num clube que havia sido campeão três vezes seguidas e que tinha necessidade de ser campeão um quarto ano seguido, o que é muito difícil.
E, além disso, ele tinha de ganhar uma chance de jogar a Copa do Mundo. Estes fatores não existem agora no Brasil.
Folha - Qual foi o seu melhor momento com Romário.
Cruyff - Todo o primeiro ano com ele no Barcelona.
Folha - E o pior?
Cruyff - Todo o segundo ano.
Folha - Você acha que Romário estava jogando mal ultimamente no Barcelona só para facilitar a saída do clube e a volta ao Brasil?
Cruyff - Não. Acho que não tem nada a ver. Romário não estava jogando bem porque realmente não conseguia jogar bem.
Quando um jogador está em campo, a única coisa em que pensa é fazer o melhor possível. Romário queria jogar bem, mas não podia.
Ele se atrasou na sua reapresentação depois da Copa dos EUA e não se preparou para jogar em alto nível.
Folha - Romário agiu honestamente agora na sua saída do Barcelona?
Cruyff - Acho que sim. Ele decidiu que queria voltar ao Brasil e impôs a sua decisão pessoal. Nós achamos que o melhor era deixá-lo ir, pois assim ganhariam tanto ele como o Barcelona.
Folha - Você se arrepende por ter liberado Laudrup e ficado com Romário?
Cruyff - Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Laudrup (atacante dinamarquês hoje no Real Madrid) se foi do Barcelona livremente. Seria melhor perguntar ao Laudrup se não teria sido melhor para ele ficar no Barcelona, onde agora teria menos concorrência na posição.
Folha - Romário provocou problemas de relacionamento no clube?
Cruyff - Não.
Folha - Romário vinha treinando normalmente?
Cruyff - Sim, até as últimas semanas, quando percebemos um pouco de falta de vontade de treinar.
Folha - Qual é a melhor virtude de Romário?
Cruyff - Sua melhor virtude é sua excelência como jogador de futebol. Tecnicamente é um atleta quase perfeito, e que quer ganhar tudo.
Folha - E qual é o seu pior defeito?
Cruyff - A sua falta de constância. E esquecer que, para chegar aonde chegou —ser campeão do mundo e o melhor jogador da Copa—, ele antes precisou vir ao Barcelona e ter a ajuda de seus companheiros. Só assim ele voltou a jogar em alto nível.
Folha - Você sabia que Romário era um jogador problemática. Acreditava que poderia mudá-lo?
Cruyff - Conseguimos mudá-lo por um ano. Graças a isso, o Brasil se tornou campeão do mundo e o Barcelona é tetracampeão espanhol.
Folha - Quem perdeu mais com a separação, Romário ou o Barcelona?
Cruyff - Sem dúvida foi o Romário. O Barcelona é uma grande equipe. Foi campeão três vezes sem Romário e uma vez com ele. Estamos disputando mais um título este ano.
Já Romário terá de se esforçar e provar que ainda pode jogar bem.

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