São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Um retrato psicológico de Oswaldo Aranha

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Político e diplomata, Oswaldo Aranha (1894-1960) tem sido tratado pela historiografia republicana como um simples "apparatchik" do primeiro escalão do Estado Novo. Essa visão redutora é em parte corrigida pela biografia que o brazilianista Stanley Hilton lhe dedicou.
Digamos que o livro tem de tudo para ser um novo "must" no saudável modismo ("Chatô", de Fernando Morais, "Lanterna na Popa", de Roberto Campos) que atrai o leitor brasileiro para um passado recente junto ao qual sente vontade de se familiarizar.
Mas são necessárias algumas cautelas. Hilton, apesar de estar em sua nona pesquisa sobre o Brasil da primeira metade do século, tende a valorizar o psicológico e a menosprezar a história que ultrapassa embates interpessoais.
Sua confessa admiração por Aranha o leva a valorizar a competência articuladora e a lealdade (qualidades meramente individuais), em detrimento da contextualização de um Brasil abundantemente dissecado por bibliotecas que cientistas sociais produziram.
É assim que Hilton pinta o Aranha dos anos 20 como um defensor heróico do legalismo, quando, em verdade, ele toma o partido de Borges de Medeiros contra Assis Brasil porque estava comprometido até a medula com o projeto político da oligarquia riograndense.
Projeto que ele só abandonaria quando o regionalismo (Frente Única Gaúcha) se sobrepõe como critério para viabilizar a candidatura presidencial de Vargas.
A Revolução de 30 é vitoriosa e Oswaldo Aranha vai para o Ministério da Justiça no governo provisório. O Aranha da nova entourage de Vargas é ambíguo, mas seu biógrafo se limita a costurar, como coerentes, ingredientes politicamente contraditórios. Ele se opõe ao autoritarismo embutido no projeto dos tenentes, mas ao mesmo tempo é admirador de Mussolini e namorisca com os futuros integralistas de Plínio Salgado.
Foi como ministro das Relações Exteriores (1938-1944) que Aranha ganhou seu peso histórico. É o período mais fascinante da biografia. Pró-aliados, o chefe do Itamaraty cresce ao torpedear posições de personalidades pró-eixo, como os generais Dutra e Góes Monteiro. Os bastidores do Estado Novo são uma cloaca, agora clareada sob o ângulo de um de seus principais protagonistas.
É instrutivo, mesmo que as ênfases de Hilton embelezem em excesso o personagem biografado. Narra os pormenores do arranca-rabo de Aranha com o embaixador alemão, que exigia liberdade de militância para os 3.000 filiados, no Brasil, do Partido Nazista.
Mas, quando se trata de anti-semitismo, as conclusões do biógrafo são de espantosa rapidez: eram coisas de Felinto Muller, o chefe da Polícia, e dos estadonovistas favoráveis ao Reich.
Ora, em "O Anti-semitismo na Era Vargas" (1988), a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro é bem mais comprometedora, com bilhetes de Aranha a Vargas em que denuncia a contratação, pelos Matarazzo, de judeus estrangeiros em situação irregular, ou proposta de imitação da França em suas ações discriminatórias.
Oswaldo Aranha se redimiria amplamente num sábado, 29 de novembro de 1947, quando, como presidente da segunda sessão ordinária das Nações Unidas, torpedeou manobras protelatórias do bloco árabe e permitiu a votação da resolução que criaria o Estado de Israel.

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