São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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E os vulcões, são previsíveis?

DANIEL PENDICK
DA NEW SCIENTIST

No dia 14 de janeiro de 1993 Stanley Williams levou um grupo de 12 cientistas ao pico do vulcão Galeras, na Colômbia. O vulcão é ativo, mas estava quieto naquele dia: sua atividade sísmica era mínima e a cratera soltava pouco gás.
Mas enquanto eles estavam dentro da cratera e sobre sua beirada, o vulcão entrou em erupção, expelindo gases quentes e detritos durante vários minutos.
A explosão matou seis cientistas do grupo e três turistas. Williams sobreviveu mas sofreu queimaduras, uma perna estraçalhada e graves ferimentos na cabeça, provocados pelos detritos expelidos.
Os cientistas participavam de um programa da ONU para melhorar o monitoramento dos vulcões mais perigosos do mundo. Por cruel coincidência, Williams, vulcanólogo da Arizona State University, planejava testar um protótipo que ele esperava pudesse ajudar a emitir avisos sobre erupções iminentes e possivelmente impedir tragédias desse tipo.
Conhecido como VGM ou monitor de gás vulcânico, o aparelho foi criado para medir automaticamente as concentrações de determinados gases na atmosfera.
O instrumento poderia fazer leituras no interior das crateras de vulcões ativos —leituras que os cientistas arriscam suas vidas para fazer.
Williams também está criando um telescópio infravermelho que pode medir as concentrações de dióxido de carbono na coluna de ar acima de um vulcão.
Ele crê que esses instrumentos possam ajudar a transformar a arte incerta de previsão de erupções numa ciência mais precisa.
Previsões mais exatas são uma necessidade urgente: cientistas estimam que até a virada do século 500 milhões de pessoas viverão em risco devido a vulcões, a maioria dos quais no Terceiro Mundo.
O problema é que os cientistas não compreendem inteiramente o que é que faz os vulcões entrarem em erupção.
Centenas de quilômetros abaixo do vulcão Galeras, a placa tectônica Nazca, abaixo do oceano Pacífico, está deslizando para baixo do continente sul-americano.
A rocha fundida resultante, ou magma, é menos densa e vai subindo, atravessando a crosta e criando vulcões ao longo da costa pacífica da América do Sul.
Os vulcões de zonas críticas compõem cerca de 400 dos 500 vulcões ativos no mundo e são os que mais tendem a apresentar erupções violentas.
Os cientistas acreditam que isso ocorra porque eles contêm magma, que é altamente viscoso e se solidifica com facilidade, bloqueando o caminho à superfície.
A pressão por trás desses bloqueios vai aumentando até o magma solidificado ceder. O resultado é uma erupção violenta.
A razão pela qual os cientistas acreditam poder prever erupções é que o magma libera gases como vapor de água, dióxido de carbono e dióxido sulfúrico.
A pressão enorme mantém os gases em solução a grandes profundidades, mas à medida que as rochas liquefeitas correm para a superfície antes de uma erupção, a pressão se reduz e o gás liberado atinge a superfície primeiro.
Quando uma grande quantidade de magma está subindo em direção à superfície, os gases menos solúveis devem começar a se soltar do magma primeiro.
O CO2, por exemplo, é menos solúvel do que o dióxido sulfúrico, de modo que escapa a uma pressão mais alta e portanto a profundidades maiores.
Teoricamente, se o magma começa a ascender desde uma câmara situada entre 15 e 30 quilômetros abaixo do vulcão, os cientistas detectariam um aumento nas emissões de CO2. À medida que o magma se aproxima da superfície, porém, o SO2 deve começar a evaporar.
"Teoricamente, a razão entre as emissões dos gases deve se modificar nas semanas anteriores a uma erupção, diz Williams.
O primeiro protótipo de VGM foi projetado e construído em 1992. O instrumento contém uma bomba elétrica que suga para dentro uma amostra da atmosfera da cratera, em intervalos de tempo previamente programados.
Primeiro ele mede a quantidade de SO2 e de HCl.
A seguir a amostra passa por um espectrômetro infravermelho miniaturizado que mede as concentrações de CO2 e por sensores que medem o conteúdo de oxigênio e a pressão atmosférica.
O ciclo inteiro de medições leva 16 minutos. A máquina tem um revestimento duplo feito de plástico resistente a substâncias químicas. A caixa interna contém os sensores, os componentes eletrônicos e o registrador de dados. A fonte de energia e o filtro de carvão vegetal ocupam o espaço intermediário.
Williams acredita que os gases representam a chave para a previsão de erupções. Ele também está desenvolvendo uma nova maneira de medir a quantidade de CO2 nos gases acima de um vulcão.
Desde o início da década de 70 os vulcanólogos vêm medindo as concentrações de SO2 nesta nuvem com um aparelho chamado Cospec, ou espectrômetro de correlação, desenvolvido originalmente para monitorar as emissões de SO2 de chaminés.
O Cospec é, em essência, um telescópio com um espectrômetro que mede as concentrações de SO2 na coluna de ar diretamente acima dele.
À medida que a luz solar passa através da nuvem de gás vulcânico, as moléculas de SO2 absorvem determinados comprimentos de onda de luz ultravioleta.
Medindo a quantidade de absorção, os cientistas podem estimar a concentração de moléculas de SO2 presentes na nuvem. Com várias leituras em pontos diferentes abaixo da nuvem, os vulcanólogos podem calcular a massa de SO2 sendo expelida do vulcão.
Esta técnica já se mostrou parcialmente bem-sucedida. Nas semanas anteriores à erupção do monte Pinatubo, nas Filipinas, em 1992, medições feitas com Cospec revelaram que as emissões de SO2 haviam aumentado para níveis inusitados de até 15 mil toneladas por dia e que a atividade sísmica era acima do normal.
Os cientistas puderam evacuar uma base naval norte-americana nas cercanias, que mais tarde foi destruída pela erupção.
Williams acredita que seria possível fazer previsões melhores se também se conhecesse os níveis de CO2 presentes na nuvem. Até pouco tempo atrás, porém, elas só podiam ser medidas através da análise de amostras de gás retiradas de aparelhos aerotransportados.
Mas voar através de uma nuvem vulcânica é caro e perigoso, e balões podem ser pouco práticos de se carregar e lançar em locais distantes.
Sensores dispostos sobre o solo não são a única maneira de se monitorar vulcões. Uma equipe internacional de vulcanólogos chefiada por Peter Mouginis-Mark, da Universidade do Havaí, espera conseguir monitorar emissões de gás vulcânico com a ajuda do Satélite de Observação da Terra (Earth Observing Satellite, ou EOS), cujo lançamento está previsto para 1998.
O satélite foi projetado para medir processos ambientais como a redução da camada de ozônio e o aquecimento global, mas também vai coletar dados úteis para os vulcanólgos, como as concentrações de CO2 e de SO2.
Joy Crisp, integrante da equipe e pesquisadora do Laboratório de Propulsão a Jato, em Pasadena, Califórnia, acredita que as imagens transmitidas por satélite podem revolucionar a vulcanologia.
Para ela, as imagens da Terra transmitidas por satélites anteriormente não têm sido apropriadas para a identificação de rochas vulcânicas.
Mas as imagens de alta resolução de grandes áreas feitas pelo EOS vão permitir aos cientistas mapear os tipos e quantidades de rochas expelidas em erupções anteriores.
Isto dará uma indicação da frequência e intensidade de erupções passadas, que os cientistas poderão usar para avaliar o grau de periculosidade de um vulcão.
Estas imagens podem vir a transformar-se em ferramenta padrão para vulcanólogos, diz ela.
Além disso, as imagens transmitidas por satélite oferecem a possibilidade de se realizar amplas pesquisas com muitos vulcões, em lugar de se visitá-los um a um, processo que é demorado, difícil e trabalhoso, diz William Rose, vulcanólogo veterano que está trabalhando cada vez mais com o sensoriamento remoto.
Segundo Rose, os sistemas de monitoramento por satélite e os baseados em terra são complementares. Por exemplo: os instrumentos baseados em terra podem obter medições muito mais exatas de emissão de CO2 perto da superfície, mas os satélites têm uma visão muito melhor das nuvens vulcânicas que chegam a altas altitudes atmosféricas.
Williams insiste, porém, que as tecnologias baseadas em terra apresentam vantagens inequívocas em relação aos satélites.
Ele aponta que a maioria dos vulcões mais perigosos do mundo fica em países em desenvolvimento, que não têm condições financeiras de participar dos programas de satélites e que não terão um nível de conhecimento especializado suficiente para analisar as imagens obtidas através do EOS.
Já os equipamentos portáteis de monitoração de gases e outros mais básicos, como sismômetros, estão ao alcance dos orçamentos mais modestos.
À medida que as técnicas de previsão forem melhorando, diz Williams, esses equipamentos podem vir a salvar muitas vidas.

Tradução de Clara Allain

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