São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Programa centraliza reformas sul-africanas

FERNANDO ROSSETTI
ENVIADO ESPECIAL A PRETÓRIA

Embora sua pasta não tenha nome definido, Naidoo é encarregado do projeto mais importante do Congresso Nacional Africano para o país: o Programa de Reconstrução e Desenvolvimento (PRD), uma série de medidas para corrigir as injustiças causadas por séculos de dominação branca.
Líder da maior central sindical sul-africana entre 1985 e 1993, Naidoo, 40, já esteve no Brasil, onde encontrou-se com lideranças da CUT e com a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina (PT).
A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha:

Folha — Quais são os objetivos básicos do Programa de Reconstrução e Desenvolvimento?
Jay Naidoo — O PRD é uma tentativa de transformar a África do Sul de um país que foi dominado pelo apartheid, que atendia apenas às necessidades da minoria branca, em um país que agora é democrático, tem um governo que representa a vontade da maioria e quer entregar seus bens e serviços para todas as suas pessoas, negras e brancas.
Um dos programas enfoca o desenvolvimento urbano, particularmente para melhorar as townships (antigas cidades-dormitórios só de negros, na periferia das cidades brancas), dar moradia, infra-estrutura, eletricidade, água, ruas. Também trata do desenvolvimento rural, da reforma agrária, provisão de água limpa...
Folha — Água é um problema sério no país.
Naidoo — É um dos maiores problemas das áreas rurais, onde quase não há água.
O segundo programa vai lidar com o desenvolvimento de recursos humanos. Temos que construir as habilidades de nossa força de trabalho. O apartheid nos deixou com 50% da população analfabeta.
A idéia é criar um sistema integrado de educação e treinamento, especialmente na área de ciência e tecnologia, para sustentar o crescimento econômico.
O terceiro maior programa tem a ver com desenvolvimento econômico. Questões como reestruturação da indústria, novas políticas de comércio e tarifas, políticas industriais.
Folha — O que seria a reestruturação da indústria?
Naidoo — É fazer um exame crítico sobre os setores da economia que podem se tornar competitivos internacionalmente.
Depois, quais os passos que temos que tomar para desenvolver esses setores. O turismo, por exemplo: é uma área importante para a criação de empregos.
Um quarto programa estaria voltado à democratização do Estado e de suas instituições. Nós herdamos muitas instituições do apartheid. Como transformá-las, como transformar o governo como um todo para agora responder mais às demandas das pessoas?
Folha — Qual a relação do PRD com os outros ministérios?
Naidoo — Nosso trabalho é coordenar as diferentes atividades dos ministérios.
Folha — De onde vem o dinheiro de seu ministério e como esses recursos são distribuídos?
Naidoo — Nós retiramos dinheiro do orçamento de cada ministério e o colocamos em um fundo do programa. São 2,5 bilhões de rands (US$ 714,3 milhões) para 1994-95, 5 bilhões de rands (US$ 1,4 bilhão) para 1995-96 e vamos aumentando até que no quinto ano serão 12,5 bilhões de rands (US$ 3,5 bilhões).
Folha — Há verbas específicas destinadas ao plano, como as de privatizações, por exemplo?
Naidoo — No momento há uma revisão de todas as propriedades do Estado. A intenção é vender os bens que não são essenciais ao programa. Por exemplo, não há intenção de o governo ser o maior proprietário de terras, porque ele quer usar a terra que tem para a reforma agrária.
Mas nós estamos convencidos de que algumas das corporações estatais, particularmente as de água, telecomunicações e eletricidade, deveriam continuar nas mãos do Estado e deveriam ser tornadas mais eficientes.
Folha — Como ex-dirigente sindical, você teve de sofrer uma mudança ideológica para defender as privatizações?
Naidoo — Nós nunca nos opusemos à privatização por princípio. Nos opusemos porque ela não se encaixava em uma estratégia coerente sobre o papel do governo na promoção do crescimento econômico e do desenvolvimento. O PRD faz isso.
Em segundo lugar, o fundos que nós recebíamos de privatizações eram usados para custear gastos correntes, nunca atendiam às necessidades da maioria. E, em terceiro lugar, as privatizações no passado eram vendas de bens do Estado a amigos.
Folha — Quais os principais problemas que o governo está tendo com o programa?
Naidoo — O maior problema tem sido que o governo nunca lidou com as necessidades do povo. O fato é que dois terços da população negra nunca teve eletricidade, por exemplo. Como montar, agora, a capacidade de fornecer energia elétrica?
Segundo, tem sido difícil fazer o governo trabalhar de uma forma integrada. E terceiro, herdamos muitos lugares que nem mesmo tinham governo. Estamos tendo de criar o governo em várias regiões.
Folha — O programa enfatiza muito a participação da comunidade na reconstrução do país. Mas há problemas em fazer a comunidade participar...
Naidoo — As pessoas em geral não compreendem isso. Assumem que a comunidade simplesmente participa. Mas não participa. Tem que ser ativada a participar, tem que ser capacitada para isso.
Parte de nosso programa principal é com as organizações de massa, movimentos civis, movimentos trabalhistas, movimentos de empresários, para tentar capacitá-los a participar, a ser nossos parceiros.
As estruturas que controlam um projeto têm que ter representantes da comunidade.
Folha — Isso é programa para mais de um governo.
Naidoo — O PRD vai exigir algumas gerações para ser implementado em toda a sua extensão. No curto prazo, nós identificamos alguns projetos presidenciais (veja quadro). Há 4 milhões de crianças recebendo merenda, há 250 mil casas que foram eletrificadas nos últimos oito meses. Escolas foram reabertas e toda criança pode ir à escola, a qualquer escola. Há tratamento médico gratuito para crianças de até seis meses e grávidas.
Folha — Mas muita gente está insatisfeita. As pessoas reclamam da falta de emprego, perguntam onde estão as casas?
Naidoo — Nós temos de 45% a 50% de desemprego. Não há país no mundo que consiga resolver esse problema em dez anos, muito menos em oito meses.
As expectativas são altas, mas as pessoas estão começando a ver algum resultado. Elas entendem se você explica que as coisas não vão mudar de um dia para outro.

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