São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Loteria cambial

O sucesso do Plano Real repousa, em grande medida, no uso e talvez abuso da chamada âncora cambial. Fixou-se o valor da então URV em 1 dólar, mas, logo após, o real já valia menos de 1 dólar. Desde então houve inflação, ainda que declinante, sem que tenha havido a correspondente correção cambial.
Antes mesmo da crise mexicana, economistas, empresários e técnicos do governo debatiam vigorosamente o acerto e a longevidade da política brasileira de sobrevalorização do real. Debate que se tornou ainda mais acalorado quando, a partir de novembro, o comércio exterior tornou-se deficitário.
Há três alternativas em pauta. Gustavo Franco, que se notabilizou por implementar e defender a valorização do real, não arreda pé desse modelo. Outros imaginam várias alternativas de correção gradual do câmbio, ao longo do ano, sem movimentos bruscos ou pacotes. E há também economistas de nome ou com experiência de governo, como Mário H. Simonsen, Ibrahim Eris ou Rudiger Dornbusch, que passaram a sugerir de imediato uma vultosa desvalorização do real, ao que parece com a simpatia do presidente do Banco Central, Pérsio Arida.
Haveria na desvalorização brusca e sem prévio aviso uma aposta na reversão de expectativas. Ou seja, como há uma ansiedade permanente com o atraso cambial, supõe-se que adiar o ajuste ou implementá-lo de modo muito lento seria inócuo do ponto de vista de tirar de cena essa aposta na desvalorização. Já um ajuste súbito e de magnitude respeitável produziria uma espécie de "overshooting", um tiro que fulminasse de vez as expectativas de desvalorização do real.
Ocorre que muitos crêem que seria também um tiro, igualmente fulminante, no próprio processo de estabilização. Se à inflação decorrente viesse a se contrapor novamente um câmbio fixo, haveria atraso cambial e voltaria justamente a expectativa de novas desvalorizações que se queria afastar.
É preciso valorizar ao extremo, como aliás reafirmou o presidente em seu pronunciamento de sexta-feira, o "repúdio às medidas de impacto". Agora mais do que nunca, é necessária a estabilidade das regras do jogo e a renúncia aos pacotes e surpresas.
A consolidação da estabilidade não será fruto apenas da engenhosidade técnica, mas, principalmente, da construção da confiança e das reformas que assegurem a redução do chamado custo Brasil. É cada vez mais urgente descortinar nas ações e no discurso do governo, atento ao debate cambial, as garantias de que esse debate não se transforme em loteria.

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