São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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O peixe e a economia global

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Tenho muitas saudades do tempo em que eu pescava. Nunca fui um grande pescador. Mas gostava de "curtir" os momentos de tranquilidade que normalmente cercam as pescarias de amadores.
A chegada do peixe era sempre um motivo de comemoração, assim como a meditação era o que permitia examinar o passado e planejar o futuro.
Essas boas memórias me vieram à mente ao ler o excelente livro de Lester Brown ("State of The World, 1995"), em que ele trata da urgente necessidade da humanidade proteger os peixes das águas e os empregos da terra.
O mundo pesca cerca de 100 milhões de toneladas por ano —quatro vezes a produção de aço do Brasil! É uma enormidade quando comparadas com 70 milhões de toneladas de carne de porco; 52 milhões de gado; e 42 de aves.
Ocorre, porém, que os peixes de mais fácil acesso que vivem no litoral estão escasseando. Isso ocasiona dois problemas. Do lado alimentar, cai a oferta de proteína animal e sobem os preços. Ironicamente, há um crescimento assustador no uso de peixes como comida de outros animais. Quase um terço da produção mundial vai para as rações que alimentam cães e gatos.
Do lado social, a pesca em águas mais distantes está exigindo tecnologias sofisticadas, que reduzem bastante os 200 milhões de empregos desse setor —onde 190 milhões são pescadores de pequenas embarcações e técnicas rudimentares.
A revolução que se passa na profundeza as águas afeta em cheio o que acontece na face da terra. O Japão, com tecnologias modernas, tem 200 mil pessoas que pescam o dobro da China, que possui quase quatro milhões de pescadores.
O Brasil não está fora dessas mudanças. Apesar de possuir 3% da população do mundo e 4.000 quilômetros de costa no Oceano Atlântico —onde se pesca 30 milhões de toneladas—, a sua produção anual é de menos de 1% da produção mundial (740 mil toneladas). E o consumo "per capita" é de apenas quatro quilos por ano, enquanto que no resto do mundo é de 18.
Lester Brown recomenda que o mundo venha a cuidar melhor dos peixes dos mares e dos empregos dos homens.
Isso se aplica ao Brasil. A pesca, entre nós, que, no passado, garantiu tanto alimento e tantos empregos aos brasileiros —especialmente aos mais pobres—, tem de ser levada mais a sério. Nosso país precisa, simultaneamente, de mais tecnologia, de muita atenção aos mares e de uma boa adequação da nossa mão-de-obra às novas formas de pescar.
Isso tudo exige uma ação coordenada, séria e segura por parte de quem está perto dos problemas da produção e do emprego, como deveria ser o caso do Ministério da Agricultura, no âmbito federal, e das secretarias correspondentes no âmbito estadual. A partir disso e com a participação efetiva dos que militam nesse setor, o Brasil tem tudo para dar ao seu povo um alimento bom e barato e boas oportunidades de trabalho para quem mais precisa trabalhar.

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