São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Darcy Ribeiro

OSCAR NIEMEYER

Escrevi algumas vezes sobre Darcy, um amigo, um irmão que muito admiro. Um homem que vê o mundo sem fronteiras e sobre ele debruça-se apaixonadamente.
Isso o levou aos índios brasileiros, com os quais conviveu vários anos, voltado para suas origens, para a vida exemplar que ainda desfrutam.
Sobre eles Darcy escreveu muito. E passou a admirá-los, a defendê-los com a força e a persistência do seu entusiasmo.
Depois dedicou-se ao ensino, às crianças e jovens deste país. E estudou e construiu escolas e universidades.
Mas não lhe bastava o ato de construí-las, queria dar-lhes um conteúdo diferente, e sobre esse tema, tão importante, Darcy criou novas teorias, assumindo lugar de maior destaque nos campos do ensino e da cultura em todo mundo.
E seu prestígio multiplicou-se, e suas idéias invadiram outros países, e lá foi o nosso amigo a correr terras desejoso que suas teorias se tornassem realidade.
Conheci Darcy em Brasília, quando pretendia criar a universidade local, e assisti sua luta para conseguir as verbas necessárias e construí-la e fazê-la funcionar.
É evidente que nem sempre nosso amigo encontrou a compreensão que seus planos tão ambiciosos demandavam, mas era tal seu empenho que sempre teve êxito.
No Rio de Janeiro onde mais trabalhou, Darcy construiu as escolas Cieps e, com o apoio de Brizola, cerca de quinhentas realizou.
Tanto nas universidades como nessas escolas os problemas didáticos e sociais entrelaçaram-se como coisas impossíveis de separar. E Darcy encontrou a fórmula adequada —o tempo integral—, que garante aos alunos o ambiente tranquilo que lhes falta em casa, dotando-as de bibliotecas, ginásio, piscina, serviços médicos e odontológicos etc. De tudo que podia reter as crianças na escola, afastando-as da rua onde passam sua triste meninice.
Mas uma coisa que a todos espanta no meu amigo é esse amor pela vida que tanto o caracteriza. A vontade de viver, de namorar, de levar para os homens do mundo, pois a ele Darcy já pertence, um pouco do seu talento extraordinário.
E também esse sentimento de correção e solidariedade que o acompanha a vida inteira, levando-o a ser o último a sair do Planalto no golpe de 64.
Nos momentos de doenças, Darcy nunca se entregou. Ao contrário, recebe-as certo de que delas vai livrar-se, pois precisa de tempo para continuar sua vida cheia de sonhos e determinação.
Um dia escrevi um texto sobre a influência da genética no ser humano e como ela em parte é responsável pelas nossas qualidades e defeitos.
E comparei o homem a uma casa. Uma casa fácil de consertar, pintando-a de novo, aprumando paredes, corrigindo telhados e esquadrias, refazendo pisos etc. Reformas fáceis de executar, mas ineficientes se o projeto inicial (a presença da genética) for medíocre.
No caso de Darcy Ribeiro, vejo-a como um palácio. Um palácio, imenso, com torres e minaretes, vo–tes e cúpulas a subirem para o céu. Um palácio todo de vidro, transparente como é o nosso amigo. Sem janelas porque as coisas do mundo nele penetram sem obstáculos. Sem portas, porque nele todos entram e saem à vontade, pois Darcy não tem medo e é assim, generosa e solidária, sua filosofia de vida.
Pelas altas colunas, entre as nuvens, é o cosmo infinito, cercado de mistérios que o atrai. Para baixo, o mundo dos homens, injusto e perverso, que Darcy gostaria de passar a limpo.

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