São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tem saída

CAIO TÚLIO COSTA

Os serviços privados de saúde parecem sempre cobrar mais do que conseguem oferecer

Primeiro foi a classe média. Resolveu seus problemas mais graves desobrigando o governo de seus deveres fundamentais: educação, saúde, segurança e transporte. Já falei nisso aqui: largaram a escola pública e partiram para as escolas particulares; entupiram de lucros as empresas de seguro saúde; contrataram guardas particulares; compraram mais carros, fretaram ônibus escolares...
Aos poucos, o brasileiro que podia dar um jeitinho se sobrepôs ao Estado e encontrou soluções particulares para problemas públicos —e continua pagando impostos mesmo sem benefício algum em retorno. Mas isso era só da classe "média média" para cima. E como o Estado faliu mesmo, por culpa de todos e principalmente dos que têm por obrigação votar em gente boa para administrá-lo, a sociedade vai se virando.
A novidade é que o último grande exemplo desse "salve-se quem puder" não vem agora da sofrida classe média, mas sim de uma união inusual no Brasil: patrão e empregado. Pois não é que um sindicato de trabalhadores (o dos metalúrgicos de São Paulo, ligado à Força Sindical) juntou-se a uma série de sindicatos patronais (como o Sindimaq, Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas e Equipamentos) para lançar uma idéia que pretende virar de ponta-cabeça o sistema de saúde para o trabalhador?
Que os sindicatos dêem assistência médica não é novidade. Nos anos duros do regime militar, restou a assistência médica como uma das principais funções para os então combalidos representantes dos trabalhadores. Agora, ante o descontrole do próprio Estado, de um lado, e os preços abusivos (e serviços parcimoniosos) das grandes empresas de seguro saúde, de outro lado, há um abismo. É sobre este abismo que se lançam em vôo aberto patrões e empregados impulsionados por uma idéia que veio dos trabalhadores: a Fundação Parceria Para a Saúde. Pois o sindicato que congrega, contando os familiares, mais de 1,2 milhão de trabalhadores em São Paulo vai agora, a custo reduzido, poder tratar as doenças e, o melhor, preveni-las. Tudo, anote, sem prazo de carência e sem restrição a qualquer doença, exatamente o contrário das golden cross da vida.
O grande problema, sem dúvida, será a gestão desta fundação sem fins lucrativos. Eu, como jornalista, estou sempre de pé atrás com "planos". Mas iniciativas como esta, que pretendem baratear custos e prevenir em vez de remediar, são sempre uma lufada de ar fresco numa sociedade em que os serviços públicos não funcionam e os serviços privados parecem sempre cobrar mais do que conseguem ofecerer.
Na mesma boa hora chegou também a idéia da prefeitura paulistana de criar cooperativas nos bairros para cuidar dos doentes, em substituição ao atual sistema médico municipal. As autoridades do município reconheceram que seu sistema fez água e se propuseram a substituí-lo pela gerência dos médicos locais.
Enfim, duas boas notícias. O sucesso delas depende muito menos da burocracia do Estado do que da capacidade de trabalho dos cidadãos comuns, que tem se mostrado superior, em muitos pontos, à capacidade gerencial dos burocratas dos governos. O Brasil vai em frente a despeito de políticos ladrões ou ineptos ou pragmáticos. Bom isso.

Ilustração:

Texto Anterior: Mão na roda
Próximo Texto: Oásis requintado no velho Centrão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.