São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Allen volta ao humor com 'Assassinato...'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Woody Allen parece alternar dois estados de espírito básicos: o depressivo e o ansioso. Mia Farrow reforça o primeiro, Diane Keaton o segundo.
Não por acaso, para seu primeiro filme depois da crise que o separou de Mia, ele resolveu reviver sua parceria com Diane. O resultado, "Um Misterioso Assassinato em Manhattan", é uma comédia agitada, nervosa, quase frenética.
O editor de livros Larry Lipton (Allen) e sua mulher Carol (Keaton) ficam conhecendo o casal de velhos que mora no apartamento vizinho; no dia seguinte, a velha morre, aparentemente de enfarte.
Mas Carol desconfia do viúvo e passa a fazer uma investigação por conta própria, com a ajuda de um amigo galanteador (Alan Alda).
No início, Larry, enciumado, se opõe à bisbilhotice da mulher. Acaba, entretanto, envolvido na trama e incorporando a ela uma quarta figura, uma escritora sexy (Anjelica Huston) especialista em pôquer e histórias policiais.
A grande idéia do filme, quase um ovo de Colombo, é a perfeita identificação entre aventura policial e aventura amorosa.
A inquietação saltitante de Carol, que a leva à ação e ao perigo, tem origem óbvia em sua insatisfação sexual, no tédio diante de um casamento tornado burocrático.
No filme, o amor participa de uma lógica análoga à do crime e à do jogo. Seus componentes são a ousadia, a hesitação, o blefe.
O roteiro de Woody Allen é um primor de argúcia e segundas intenções. Suas fontes cinematográficas são, basicamente, duas: "Pacto de Sangue", de Billy Wilder, e "Janela Indiscreta", de Hitchcock.
No primeiro (que Larry e Carol vão ver no cinema), uma loura fatal mata o marido para dividir a herança com o amante —situação que espelha o que o velho vizinho faz com a mulher.
Em "Janela Indiscreta", um casal jovem também desconfia que um vizinho assassinou a mulher. No filme de Hitchcock, Grace Kelly, como Carol, é quem induz o noivo acomodado (James Stewart) à ação.
O diálogo com esses clássicos, que não pesa nem um pouco sobre a fluência do filme, mostra que Woody Allen só tem a ganhar quando recorre à rica tradição cinematográfica americana, deixando Bergman e Fellini em paz.
Por outro lado, soa artificiosa e estéril a sequência dos tiros nos espelhos atrás da tela de cinema em que se exibe a sequência idêntica de "A Dama de Shanghai", de Orson Welles. Aqui, sim, a pretensão "artística", a piscada de olho para os cinéfilos, empeteca desnecessariamente o filme.
Mas isso é largamente compensado pelo humor irresistível das cenas em que Larry tenta imitar os tiques e clichês de detetives, ou da hilariante excitação infantil que toma conta dos quatro marmanjos empenhados em chantagear por telefone o suposto assassino.
Allen esquadrinha esse desajeitado heroísmo com uma câmera inquieta (frequentemente "na mão"), em perpétuo movimento, a sugerir um equilíbrio precário e delicado —no casamento, na legalidade, nas relações afetivas.
Uma comédia precisa de uma boa piada final, e esta tem uma nascida clássica. Confira.

Vídeo: Um Misterioso Assassinato em Manhattan
Produção: EUA, 1993, 104 min.
Direção: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Alan Alda, Anjelica Huston
Distribuição: LK-Tel (tel. 011/825-5766)

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