São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Exposição questiona imagem do negro americano

DANIELA ROCHA
DE NOVA YORK

"É claro que não os considero diferentes. Não é só porque são negros que deveriam ser diferentes. Não tenho nada contra meus filhos terem amigos negros, mas não permitiria o casamento de minha filha com um. Não porque tenha algum preconceito, mas porque sei as dificuldades que eles encontrariam em um casamento inter-racial."
O trecho é uma gravação que pode ser ouvida em uma das instalações da exposição "Black Male - Representations of Masculinity in Contemporary American Art", do Whitney Museum de Nova York.
Para ouvi-la, o espectador tem que entrar em uma espécie de caracol gigante, onde, em seu pequeno centro, quatro imensas fotos de negros que se "olham" iluminam o ambiente.
"Black Male" é uma das exposições mais comentadas do momento. Sem ser panfletária, todas as instalações, quadros, esculturas, fotos, telas e até troféus intrigam qualquer um, independentemente de cor ou raça.
Com 70 obras realizadas entre os anos 70 e 90 por 29 artistas e uma mostra paralela de filmes e vídeos sobre o papel do negro na sociedade americana, "Black Male" faz mais do que advertir. Dá um chacoalhão no politicamente correto americano, que apenas oficialmente trata o negro de "afro-americano" sem necessariamente saber o significado do termo.
Segundo a curadora da mostra, Thelma Golden, a exposição deixa claro que, nos últimos 20 anos, a representação do homem negro nas artes criticava o estereótipo e o arquétipo dos negros na sociedade.
Na mostra, questões de identidade são encontradas nos trabalhos de Glenn Ligon, Nayland Blake e Kevin Everson.
Na obra exposta de Ligon, "Profile Series", o artista usou em oito quadros trechos de reportagens do "The New York Times" sobre uma mulher branca que foi estuprada no Central Park, em 1989.
O caso chamou a atenção da imprensa na época porque o suspeito do crime era negro. Um enorme debate tomou conta das páginas dos jornais, sobre cultura da violência e sexismo.
Em sua obra, Ligon questiona por que este crime chamou tanta atenção do público quando mais de 20 outros estupros foram registrados naquela mesma semana.
No catálogo, Golden afirma que a mídia tem fascínio pela masculinidade negra em apenas três aspectos: sexo, crime e esportes.
"Através desta exposição, os artistas mostraram uma simples e profunda verdade: não existe apenas uma identidade do negro americano e apenas uma forma de demonstrá-la", afirma Golden.
A sequência de fotos de Robert Mapplethope retrata o negro sobre-humano, uma espécie de deus da raça, com seu corpo de bronze de simetria perfeita.
Em Dawn DeDeaux, a montagem de "Rambo" é um misto de culto ao afro e ao "western", sem deixar de lembar um herói menino envolto em uma aura de ouro.
A poesia tem uma imensa instalação multimídia de quatro salas, de fotos, vídeos e painéis com versos sarcásticos sobre gangues de rua de Los Angeles, conversas de mulheres sobre a performance sexual de um negro, casamento, política e, claro, "black power".
Em uma pequena sala, visitantes têm que se apertar se quiserem ver fotos e ler textos em letras miúdas com referência a negros que foram responsáveis por um "turning point" da sociedade americana: de Marthin Luther King a Malcolm X, de O.J. Simpson a Spike Lee.
Seria este o único pecado desta ambiciosa exibição, que consegue em boa parte dar conta de sua proposta de registrar um perfil do negro norte-americano na arte contemporânea.

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