São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Papabili

O cardeal primaz do Brasil e arcebispo de Salvador, d. Lucas Moreira Neves, apontado por diversas publicações como um dos possíveis sucessores do papa, defendeu, em entrevista publicada ontem pela Folha, algumas teses polêmicas.
Sua posição mais controversa é a de ser contrário a campanhas do governo que incentivem o uso de preservativos como forma de prevenção contra a Aids. O prelado argumenta que o uso do preservativo é um incitamento ao que chama de imoralidade e não representa proteção efetiva, pois o vírus seria menor do que os poros do látex.
Quanto à questão da moralidade, ela é uma decisão de esfera pessoal. É evidente que um católico que deseje permanecer fiel tem de acatar a palavra do Vaticano, mas o Brasil não é composto apenas por católicos fiéis.
Quanto à suposta falta de segurança dos preservativos d. Lucas pode até estar certo, ainda que a sua tese seja cientificamente discutível. Não se pode descartar a hipótese remota de haver contaminação mesmo com o uso do preservativo. Há também a chance de rompimento. De resto, o cardeal ignora o fato de que a camisinha é a única forma de prevenção conhecida além de abstinência sexual e relações monogâmicas. E o uso de preservativos já se mostrou epidemiologicamente efetivo.
O cardeal pode até recomendar aos fiéis que se mantenham castos. Mas ao exercer desse modo seu direito de opinião, o cardeal prejudica a campanha governamental de saúde pública dirigida a toda a população. Imaginar que as pessoas —inclusive católicos— só fazem sexo dentro do casamento é ignorar a realidade. Deixar de proteger essas pessoas da Aids seria uma omissão intolerável por parte do governo.
Posição também polêmica, mas esta sim louvável, foi a de defender uma melhor distinção no tratamento legal dispensado a traficantes e usuários de drogas. O cardeal é favorável a encaminhar o segundo ao tratamento, não à prisão. Trata-se de uma postura moderna e consoante com os ideais que inspiraram o catolicismo.

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