São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Piruetas

Antonio Delfim Netto
Com o seu pronunciamento de 3 de fevereiro, o presidente Fernando Henrique iniciou um saudável exercício. Dirigir-se diretamente à nação para explicar suas dificuldades e justificar suas decisões. Isso melhora a qualidade da sua administração. Mas é preciso cuidado para não fazer "piruetas" e empurrar sobre o Legislativo culpa maior do que a que eventualmente ele tem.
Como vetar esta ou aquela medida poderia causar uma crise institucional? Que crise institucional, se ele está precisamente exercendo o seu direito constitucional? Há crise institucional se o Congresso derruba um veto do governo? Claro que não. Aí apenas fica evidente que a vontade do Executivo e do Legislativo não coincidem e que, constitucionalmente, prevalece o segundo, por que ele exprime a vontade da nação.
Fez bem o presidente em saudar sua vitória no combate à inflação. Na 29ª semana do real, o comportamento dos índices de preços medidos sempre pelas últimas quatro semanas é muito semelhante ao verificado no momento do sucesso do Cruzado. Mas lá tudo estava congelado. Hoje as condições são bem melhores. Há um relativo equilíbrio de caixa na União e os gastos de Estados e municípios estão sendo corretamente comprimidos aos limites de suas receitas. A intervenção do Banco Central praticamente eliminou o poder emissor dos bancos estaduais.
Mas há um erro dramático na política cambial, que poderá levar ao fracasso o real. Para tentar corrigi-lo, o governo se apressa em fazer sucessivas "piruetas"! Sacrifica receita de impostos (o que significa cortar saúde, educação, infra-estrutura etc.) para compensar os exportadores que subsidiam os importadores. Eleva a taxa de juro e arrasta o custo do estoque da dívida para dar compensação ao câmbio (cortando novamente, saúde, educação, infra-estrutura etc.) e anuncia nova "pirueta": em três dias consertamos o déficit comercial!
O juro overnight real anda em torno de 35% ao ano, com consequências dramáticas sobre as despesas do governo. No Orçamento da União para 1995, todo o pagamento de juro está feito com aumento da dívida, dando um sinal claro de que estamos fazendo "pirueta" com o efeito Ponzi funcionando. Com o PIB crescendo 5% ao ano e o juro real da dívida pública crescendo 35%, é difícil acreditar que estejamos no caminho da "sustentabilidade"!
Por que esse juro? Para cortar consumo, dizem os economistas do livro texto. Mas corta? Para compensar os exportadores que não têm câmbio, dizem os gênios. Mas compensa? Para atrair capital financeiro de curto prazo para financiar os déficits em conta corrente, dizem os "papeleiros" sofisticados. Mas atrai?
Enquanto isso, perdemos tempo precioso para construir as condições do desenvolvimento sustentado com a poupança interna e investimentos estimulados por taxa de juro civilizada. Só a construção de fontes institucionais de poupança e uma privatização selvagem que reduza dramaticamente a dívida pública podem iniciar esse processo.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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