São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Como não se vive com R$ 70

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Fernando Henrique Cardoso tem razão. Não dá para viver com o salário mínimo. As vítimas são obrigadas a rebolar para complementar a renda e chegar ao fim de cada mês.
Em resposta ao repórter da Folha Willian França, na coletiva de anteontem, FHC usou adjetivos dramáticos para classificar o salário mínimo de R$ 70: insuportável, inaceitável, uma vergonha.
Os que enfrentam esse drama diariamente usam expressões tiradas de seu quotidiano para fazer coro a FHC.
"Com R$ 70, a pessoa ou morre de fome ou come só arroz e feijão", diz Marinalva Lourêncio da Silva, 33, duplamente viúva e mãe de quatro filhos. Ela ganha um salário mínimo de pensão por morte de seu primeiro marido, pai de sua filho mais velha, Valéria, 15. O pai dos três filhos mais novos -de quem estava separada há quatro anos- morreu atropelado no dia 6 de janeiro. Zulmiro Mendes de Souza, 68, fala com voz resignada de sua aposentadoria de R$ 70. "O salarinho que eu ganho não dá para passar bem não minha filha".
A empregada doméstica e mãe de seis filhos Edinalva Bispo da Silva, 27, tem experiência suficiente para afirmar que, com R$ 70, "a coisa aperta".
Marinalva, Zulmiro e Edinalva moram na favela Heliópolis, a maior de São Paulo. Sujeitos ao salário mínimo, os três fazem bicos para complementar a renda.
Cardíaco, o aposentado Zulmiro e sua mulher Vanilda Leda da Silva, 56, vendem doces na porta de casa. Calculam que, a cada mês, ganham mais R$ 30 ou R$ 40. Só em remédios, gastam cerca de R$ 20.
No cardápio do casal, domina o clássico arroz e feijão. Carne, dizem que compram meio quilo uma vez por mês, quando Zulmira recebe a aposentadoria. O frango aparece em média outras duas vezes por mês. "Leite não dá para comprar. Roupa então, nem se fala", afirma Vanilda. "A sorte é que o barraco é nosso. Se tivesse que pagar aluguel, a gente morria de fome", acrescenta.
A doméstica Edinalva, que tem uma dupla jornada de trabalho durante a semana, ainda faz bicos nos finais de semana. Ganha de R$ 30 a R$ 40 lavando roupa para fora ou cuidando de crianças.
Além disso, conta com a eventual ajuda da patroa -"de vez em quando ela me dá uma cesta básica" -e do posto de saúde da região, onde recebe quatro quilos de leite em pó por mês.
O leite era garantido pela filha Hélen, que acabou de completar 2 anos, idade máxima para receber o reforço alimentar. Há dez dias, Edinalva deu à luz o substituto de Hélen, Johny, que vai garantir o leite nos próximos dois anos.
Se ganhasse um salário mínimo de R$ 100, Edinalva usaria os R$ 30 adicionais em comprar comida -basicamente mais carne e leite.
Marinalva, a que vive da pensão do ex-marido, trabalha como faxineira três vezes por semana. Cobra R$ 20 por dia.
O valor do salário mínimo é tão baixo que Honório Camargo, 60, consegue superá-lo com a venda de papelão que pega nas ruas. Mensalmente, ele calcula que ganha de R$ 110 a R$ 140.

Papelão
Honório mora sozinho em um barraco emprestado em Heliópolis e come carne duas ou três vezes por semana. A cada mês manda pelo Correio R$ 40 ou R$ 50 para a mulher e os seis filhos que moram no interior de Goiás.
Edinalva acredita que a vida melhoria muito se o salário mínimo fosse de R$ 240. "Mas se ele (o presidente) desse R$ 150 a gente podia agradecer a Deus".

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