São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Desenhista é herói da 'resistência ao sistema'

ROGÉRIO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais que qualquer guitarrista de rock, escritor ou cineasta, Robert Crumb é o herói do "movimento underground" dos anos 60. Ninguém mais foi tão fiel àquele ideal de "resistência ao sistema".
Crumb é o cara que recusou todos os convites para colaborar com a grande imprensa (e, por seus critérios, até a "Rolling Stone" foi desde o início "grande imprensa"). É o cara que recusou capas de discos. Recusou, com palavrões, receber o pagamento pela capa que desenhou para um disco de sua amiga Janis Joplin.
A saga de pureza de Crumb continua. Ele exigiu que seu nome fosse retirado dos créditos da adaptação cinematográfica de sua série "Fritz, The Cat", revoltado com o que considerou "comercialismo" do filme.
Em 76, quando sua aposentadoria tranquila estaria garantida pela HQs que publicava no "Village Voice", deu adeus a tudo —"so long, folks"— e foi criar galinhas na Califórnia. Voltou nos anos 80, com a revista "Weirdo", quase um fanzine em preto-e-branco.
Ao mesmo tempo que trilhava esse caminho heróico, fugiu de qualquer tentativa de ser transformado em mais um messias da contracultura. Ninguém, nem mesmo o mais reacionário dos Nelson Rodrigues americanos, falou com tanto sarcasmo de hippies, universitários esquerdistas, cantores de rock, junkies, gurus e tais. Mas, de policiais e políticos de direita a crianças e pais de família modelo, ninguém escapou do seu humor.
O último escândalo em que se meteu foi consequência de duas HQs intituladas "Quando os Negros Dominarem a América" e "Quando Esses Malditos Judeus Dominarem a América". O humor, absurdo, mostra, por exemplo, exércitos de rabinos com trancinhas. Mas uma revista neonazi levou a coisa a sério, publicou a sério e tem gente agora acusando, a sério, Crumb de racismo.
Para Crumb, a humanidade se divide em cretinos estúpidos, canalhas estúpidos e estúpidos estúpidos. Se isto serve de consolo aos humanistas, o próprio Crumb se retrata como um desprezível cretino canalha estúpido.
Para completar a implausibilidade de Crumb, ele é um desenhista que ignorou por quase toda sua carreira coisas como merchandising. Nos últimos 25 anos, qualquer revista "alternativa" do planeta publicar seus trabalhos sem dar satisfações.
É claro que não é uma vida fácil. Quando, por exemplo, a Receita americana ameaçou confiscar sua enorme coleção de discos como pagamento por impostos atrasados, Crumb dependeu de uma campanha pública entre fãs para recolher o dinheiro do resgate.
Mas o mais incrível da história de Crumb é que ele sobreviveu ao seu heroísmo e desprendimento. Aos 51 anos, mora no sul da França. Suas obras completas estão sendo reeditadas em livros de luxo pela editora Fantagraphics. Mais coisas incríveis: Crumb, que odeia tudo o que é novidade acaba de ganhar uma versão de suas HQs em CD-Rom e mais um "after-dark" com seus personagens.

Texto Anterior: Documentário decifra o mito Robert Crumb
Próximo Texto: Julie Delpy conquista festival de Berlim
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.