São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Cem anos com migrantes

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Na estação ferroviária de Milão, na Itália, há cem anos, o bispo de Piacenza, d. João Batista Scalabrini, acompanhava, com sofrimento, numerosas famílias pobres, levando sacos com roupas e utensílios. Seguiam de trem para o porto de Gênova, de onde partiriam como migrantes para a América. Naquele fim de século, enorme sacrifício e coragem marcaram a história de milhares de italianos, vítimas do desequilíbrio causado pelo impacto industrial e que vieram para o Brasil, atraídos pelo incentivo de nosso governo a colonos.
O bispo de Piacenza, sensibilizado com a situação precária dos migrantes, iniciou em 1887 a Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos Borromeo —conhecidos mais tarde como "scalabrinianos", devido ao nome do fundador— com a finalidade de assegurar atendimento religioso aos italianos que se viam forçados a viver no exterior.
Foi assim que o padre José Marchetti, nomeado capelão, partiu no navio Maranhão, rumo ao Rio de Janeiro. Na viagem, o missionário sofreu momentos de grande angústia. Faleceu a bordo uma jovem mãe, deixando o filhinho recém-nascido nas mãos do marido inexperiente e sem recursos. O esposo, desorientado, queria acabar com a vida, lançando-se ao mar, agarrado ao caixão de sua mulher. Padre Marchetti, segurando-o com amor, conseguiu demovê-lo ao prometer que assumiria toda a responsabilidade pela criança.
Do Rio continuaram a viagem para São Paulo, onde, graças à doação do conde José Vicente de Azevedo, iniciou-se a construção de uma casa para abrigar órfãos dos migrantes. Nascia, assim, a 15 de fevereiro de 1895, o Instituto Cristóvão Colombo. Vieram da Itália a mãe e a irmã do padre Marchetti para assumir a direção da obra.
Era o começo das Irmãs Missionárias de São Carlos, fundadas por d. Scalabrini. Hoje, são mais de 800 religiosas, presentes em 20 países e desenvolvendo intensa atividade: centros de estudo, de acolhida e profissionalização, com postos em rodovias, portos e aeroportos, procurando, com amor e entusiasmo, caminhar, de modo solidário com os migrantes, reconhecendo neles a presença do próprio Cristo sofredor. No Brasil, atuam nas frentes onde os migrantes mais padecem os efeitos do êxodo rural e do inchaço das grandes cidades.
Na tarde de 15 de fevereiro, reuniram-se no Instituto Cristóvão Colombo, no Ipiranga, em São Paulo, alunos, religiosas, funcionários, benfeitores, colaboradores para agradecer a Deus, com a celebração da Eucaristia, a caminhada de cem anos em bem de mais de 13 mil crianças e adolescentes, acolhidas e promovidas pela obra humanitária dos seguidores de d. Scalabrini e madre Assunta, apóstolos dos migrantes.
É justamente neste ano centenário que a Campanha da Fraternidade convoca as comunidades cristãs para uma intensa atuação em favor dos excluídos.
Encontramos no trabalho humilde e escondido do Instituto Cristóvão Colombo o testemunho de carinho e amor que soube oferecer durante cem anos: abrigo, alimento, formação humana e cristã, lazer e profissão a tantos filhos de migrantes e crianças necessitadas.
Seja esse belo exemplo incentivo para que, neste ano, surjam, em todo o Brasil, outras iniciativas em benefício dos milhões de empobrecidos, na certeza de que em cada um deles está presente o próprio Cristo. Eras Tu, Senhor!

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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