São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 1995
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África celebra cinema com feira cultural

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Erramos: 25/02/95
Este texto grafou incorretamente a palavra ortografia no primeiro parágrafo (saiu hortografia).
Tem início no próximo sábado o principal evento de cinema africano do mundo, o Fespaco, Festival Pan-Africano de Cinema de Uagadugu (Ouagadougou, na hortografia francesa). Este último termo, um estranho trava-línguas para os não familiarizados, é o nome da capital de uma antiga colônia francesa, Burkina Faso, encravada no centro do oeste africano, à margem sul do deserto do Saara.
A virtual ausência de indústrias e a inexpressividade econômica não impediram que Burkina Faso (nome que, em 1984, substituiu o antigo Alto Volta) se tornasse desde o início a meca cinematográfica da África, tanto do Magreb quanto subsaariana, cujas produções locais só começaram a se desenvolver após os movimentos nacionais de independência dos anos 60.
No rastro pioneiro do grande cineasta e escritor senegalês Ousmane Sembne, que teve em 1963 seu filme "Borom Sarret" premiado em festivais europeus, começaram a pipocar em toda a África produções vigorosas, empenhadas em focalizar as culturas, as línguas, as paisagens e os problemas locais.
A carência econômica, embora dificultando a expansão industrial, não impediu a consolidação de estilos originais, descompromissados com exigências de mercado.
Foi nessa onda de reafirmação da identidade nacional e étnica que nasceu, em 1969, o Fespaco, passando a realizar-se bienalmente (nos anos ímpares) e hoje ampliado também para o mercado televisivo. O evento transformou-se em filtro e trampolim indispensável para os filmes africanos interessados em atingir as telas européias e de outros países do mundo.
Foi de Uagadugu que vieram, por exemplo, os cinco filmes africanos exibidos pela TV Cultura no ano passado. Um deles, "Yaaba", trazia a assinatura de Idrissa Ouedraogo, hoje o mais importante cineasta de Burkina Faso, que vem conquistando platéias do mundo inteiro com a forma sintética e "cool" com que focaliza as sociedades tribais de seu país.
Não estranha, portanto, que Uagadugu esteja inteiramente voltada para o cinema. O fato encontra-se devidamente sinalizado no principal marco da cidade, o "Monumento aos Cineastas", uma enorme escultura (kitsch, mas divertida) de discos empilhados, representando latas de filmes.
O festival, ao contrário de seus similares no mundo, restritos aos iniciados, exerce grande atração popular. Os moradores da cidade afluem em massa às festividades de abertura, realizadas ao ar livre, num estádio esportivo.
Com razão, ninguém quer perder esta celebração que extrapola os limites do cinema para se transformar numa ampla feira cultural do continente africano, com desfiles de moda, danças e shows folclóricos.
Em 1993, o espetáculo inaugural contou com uma platéia de 50 mil espectadores, cifra inimaginável para um evento cinematográfico em qualquer outro lugar do mundo. No total, 400 mil pessoas circularam pelas projeções e eventos organizados em Uagadugu e redondezas. Cerca de 60 nacionalidades estavam representadas entre os 2.000 delegados presentes.

Mostras e eventos
A mostra competitiva se divide nas seguintes categorias: longas-metragens de ficção; longas-metragens da diáspora; curtas-metragens; documentários.
Este ano, além dos 25 países africanos, estão competindo outros quatro territórios da diáspora (os países que contam com populações de origem africana): Estados Unidos, Martinica, Canadá, Reino Unido. O Brasil (como infelizmente tem sido a regra), embora seja o maior país da diáspora africana, não se encontra representado.
Dentre os concorrentes, não poderia faltar Idrissa Ouedraogo, com o documentário "África Minha África" (Afrique Mon Afrique). Outros nomes importantes e já premiados em festivais anteriores incluem Med Hondo, da Mauritânia, Isaac Meli Mabhikwa, do Zimbábue, Djibril Diop Mambety, do Senegal.
O lema do principal evento paralelo, "Cinema e História", se refere este ano, como não poderia deixar de ser, aos cem anos de cinema. No entanto, como a África, com seus cerca de 30 anos de existência própria, é talvez o mais jovem ramo da cinematografia mundial, a mostra de filmes ligada ao tema lançará mão de obras estrangeiras realizadas no continente africano entre 1895-1960, sob o título "Imagens dos Outros sobre a África".
Sob o título "Imagens da África" estarão agrupadas três amplas exposições: "Imagens e Colônias", "Negripub", "Cartazes de Filmes Africanos". Será também lançado um livro com textos sobre o centenário do cinema.
Entre os eventos paralelos, encontram-se ainda uma mostra de filmes infantis e uma outra de nome "Palavras e Imagens de Mulheres na África". As projeções serão complementadas por uma série de debates e mesas-redondas que discutirão as condições de produção cinematográfica na África, entre outros assuntos.

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