São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 1995
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'Carmen' drag queen diverte Nova York

Companhia leva obra de Bizet para fábrica de camisinha

DANIELA ROCHA
DE NOVA YORK

A ópera mais escrachada e inteligente em cartaz é uma peça "off-Broadway": "Carmen", adaptação do clássico de Bizet feita pelo ator e diretor Everett Quinton, do Ridiculous Theatrical Company.
O nome da companhia já fala por si, mas a montagem é hilariante, com um humor inteligente e atual. O Ridiculous conseguiu uma proeza: conquistar até o público erudito com sua comédia.
Carmen, a "femme fatale", a exuberante mulher capaz de enlouquecer os homens de amor, é uma drag queen. Até aí nada de especial. Mas suas amigas também são, e, como na ópera, intrigas e paixões são levadas ao extremo.
A fábrica de cigarros onde originalmente Carmen trabalha foi transformada em um espaço politicamente correto: uma fábrica de camisinhas.
A peça começa com as amigas que trabalham com Carmen tentando vender, com jingles cantados em coro, camisinhas de todas as formas, cores e sabores.
Daí em diante, tudo na peça tem alguma referência na ópera: Don José, o homem que seduziu e abandonou Carmen, é um ingênuo marinheiro, chamado Don Johnson (interpretado por Lenys Sama). O matador Escaramillo é, nesta versão, Torre Adore (Julia Dares), uma toureira lésbica por quem Carmen se apaixona.
Carmen, no entanto, é quem rouba a cena, não apenas por ser protagonista. Everett Quinton, que interpreta Carmen, usa os recursos mais originais para entreter.
Em uma das cenas, Carmen dança para seduzir o homem por quem está apaixonada, Don Johnson. Na falta de castanholas, duas latas de Coca-Cola mostraram ser eficazes, com respeito às tradicionais castanholas.
A personalidade de Carmen é mantida na versão: ela continua inteligente, audaz e provocadora, tudo com muita ironia.
Nesta versão, ela é capaz de fazer homens e mulheres se apaixonarem, como na inevitável aproximação com Torre Adore.
A tragédia
Toda a comédia que se preza mostra o lado risível da tragédia. Aqui não é diferente. A sequência é a seguinte: Adore vai procurar uma companhia em um bordéu e, por acaso, Carmen estava lá, escondida com Don Johnson —travestido—, já que ambos fugiam da polícia.
Ela escolhe Don Johnson para uma noite de amor e Carmen, para salvar a honra do homem por quem ainda sentia alguma comoção, atira-se aos braços da toureira. Por fim, Carmem abandona Johnson por Adore e morre "tragicamente" por isso.
Sustentada por atores de primeira, "Carmen" é o tipo de peça que poderia ser feita por um ator-chave e um grupo que o sustentasse. No caso, todos os atores fazem rir em sequências que usam até improvisos. A produção é impecável, e o espaço onde está sendo apresentada, Charles Ludlum Theater, ideal para dar um tom intimista sem ser claustrofóbico.
A "Carmen" do Ridiculous é uma versão "up to date" da ópera levada às últimas consequências para fazer o público rir. E consegue, com sucesso.

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