São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 1995
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Brasileira foi premiada em 89

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Burkina Faso é daqueles lugares que ninguém "nunca ouviu falar". No entanto, o desconhecimento brasileiro com relação a esse país africano não se refere, certamente, apenas à sua pouca importância econômica. Reflete também o assustador desligamento entre Brasil e África, embora quase a metade de nossa população seja de origem africana.
Esse abismo aparentemente intransponível entre territórios tão próximos se ilustra bem pela quase inexistência de vôos para a África, o que obriga os poucos obstinados passageiros brasileiros a gastar quase dois dias com escalas na Europa para percorrer um trajeto que deveria levar entre cinco e seis horas. Embora o mapa prove o contrário, Uagadugu parece localizar-se do outro lado do planeta.
No Fespaco, a presença brasileira também é rara. Dentre as poucas exceções, encontra-se o caso honroso da cineasta Raquel Gerber, que conquistou o prêmio "Paul Robeson da Diáspora" no festival de 1989, com o documentário de longa-metragem "Ori". Baseado em roteiro da historiadora e militante negra Beatriz Nascimento (recentemente assassinada no Rio), "Ori" tenta justamente restabelecer o elo perdido entre Brasil e África.
O filme se desenvolve em dois níveis. O primeiro deles compõe-se de uma colagem dos movimentos negros no Brasil nos anos 70 e 80. Num outro nível, a própria Beatriz narra sua história pessoal, identificando-a com a reconstrução da história dos quilombos como estabelecimentos de resistência cultural, que trouxeram da África do século 15 um tipo de organização social que se reflete ainda no Brasil do século 20.
Beatriz desenvolve um conceito abrangente de "quilombo", baseado na procura de um espaço próprio e na necessidade de fixação à terra. Os povos bantus, rebeldes à escravidão, e seu "herói civilizador" Zumbi de Palmares teriam construído, com o quilombo, o que o filme chama de "a primeira nação brasileira".
No último Fespaco (1993), o Brasil esteve representado por "Abolição", de Zozimo Bulbul, com fotografia de Miguel Rio Branco, filme que também remete à escravidão africana. Mas o Brasil ainda pode tornar bem mais expressiva sua participação num evento que, afinal, tem tudo a ver com a nossa história.
Raquel Gerber, frequentadora assídua do Fespaco, continua em sua luta para divulgar a cultura e o cinema africanos no Brasil. Trabalhando atualmente em conjunto com o festival de Amsterdã "Africa in the Picture", principal mostra de cinema africano da Europa, Raquel comparece este ano em Uagadugu com a missão de compor um pacote de filmes para serem exibidos no Brasil, seja em salas de cinema ou na televisão. Ela garante: "Os brasileiros vão se surpreender com a excepcional qualidade do cinema africano".
(LN)

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