São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Política da melhora judicial é complicada

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Este comentário reúne quatro temas de atualidade, unificando-os para a mesma conclusão. O primeiro decorre de uma frase do presidente Fernando Henrique: "Política não é a arte do possível, mas a arte de tornar possível o necessário". O segundo está na notícia de que o ex-porta-voz Cláudio Humberto foi condenado a quatro meses de prisão por ter injuriado Tales Castelo Branco, um dos mais respeitados advogados brasileiros. A decisão genérica que se pretende atribuir ao STF —Supremo Tribunal Federal, na reforma constitucional, com força vinculativa para todos os juízos e tribunais, substancia o terceiro tema, encerrando-se o rol com um editorial desta semana, na Folha, sobre as fraquezas do Estado contemporâneo.
A frase do presidente da República aplicada à máquina judicial propõe discussão sobre o que é necessário para fazê-la cumprir suas finalidades e como será possível viabilizar esse objetivo. A vitória moral de Tales Castelo Branco exemplifica o ritmo judiciário: agredido pelo trogloditismo que o então porta-voz exibia, teve de aguardar anos para obter sentença num processo relativamente simples. Nem mesmo um grande advogado, amparado pela Ordem dos Advogados do Brasil, consegue cortar rapidamente o nó górdio do processo com a espadeirada da Justiça.
A proposta de dar força vinculativa a certas decisões do Supremo Tribunal Federal é um chamamento para o futuro. Pretende eliminar a subsistência de decisões conflitantes e contraditórias entre juízos e tribunais, as quais estabelecem confusão grave no espírito da clientela judiciária, ante as incertezas que provoca durante anos e anos. O poder vinculativo tornaria obrigatório o cumprimento de acórdão do STF por toda a magistratura brasileira, quando unificasse o entendimento sobre questões controvertidas nas instâncias inferiores. Impediria sobretudo os órgãos públicos de continuarem suscitando argumentos superados, com efeito protelatório, ainda que aéticos.
Todavia, a arte de tornar possível os três pontos essenciais da prática judicial (justiça barata, rápida e segura) esbarra no quarto tema. O Estado assumiu, ao longo dos últimos 50 anos, feição intervencionista com funções tão extensas que, hoje, ele não é capaz de as satisfazer. Os entes privados foram convencidos a se afastarem do processo decisório nacional: o Estado passou a fiador do equilíbrio das forças econômicas e sociais. Avançou, no caso brasileiro, para ser, mais que fiador, o devedor principal —ante a cidadania— de todos os serviços essenciais e da garantia dos carentes. Acabou como um aleijão, trôpego, desprovido de meios para transformar tais serviços e garantias em realidade. Entre eles, a Justiça.
A anunciada reforma constitucional está no núcleo de minha conclusão. Poderá tornar possível (ou, ao menos, melhor) o aprimoramento do Poder Judiciário. Não o alcançará, porém, mexendo nas regras sobre os tribunais superiores. Há que aperfeiçoar a primeira instância, onde a imensa maioria dos casos termina, bem ou mal, ante a demora e o custeio do andamento.
Contudo, será inviável sanear um segmento do Estado, sem a visão geral das deficiências de que se ressente, muitas delas, a maioria, advindas da inadequada assunção de missões que a visão distorcida dos detentores do poder absoluto impôs. A reversão de rumos é necessária, mas os novos remédios cogitados sugerem muita cautela, para não matarem o doente com a cura.

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