São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Como são os regimes cambiais alternativos

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

A discussão sobre a defasagem atual da taxa de câmbio criou a oportunidade de se repensar qual o regime cambial adequado para um novo Brasil com estabilidade de preços e consistência das políticas macroeconômicas.
Vamos fazer neste artigo um balanço da experiência internacional e concluir com algumas recomendações para o Brasil.
A economia mundial vive, desde 1972, sob um regime em que as principais taxas de câmbio flutuam com certa liberdade. Vamos resumir as principais vantagens apontadas para as taxas de câmbio flutuantes.
1. No regime de taxa de câmbio de livre flutuação, por definição, o Banco Central não intervém no mercado cambial. O mercado encontra seu equilíbrio no dia-a-dia. Em consequência, o Banco Central fica liberado da necessidade de manter reservas externas.
2. Com taxa de câmbio flutuante, a política monetária de cada país ganha maior independência, podendo ser usada com maior grau de liberdade para perseguir os objetivos domésticos.
3. A taxa de câmbio flutuante confere maior isolamento relativo à economia doméstica com relação aos choques externos. Em consequência, com taxas de câmbio flutuantes esperava-se que houvesse menores desequilíbrios na balança comercial de cada país.
Este regime de flutuação cambial tem sido objeto de frequentes avaliações pois suas vantagens ou desvantagens afetam a todos. Estudos importantes de Dornbusch, Frankel, Krugman, Grawe, Williamson e outros estão disponíveis. Os principais resultados são os seguintes.
1. Desde a adoção do câmbio flutuante, as taxas de câmbio têm se movido muito e muitas vezes inexplicavelmente. A volatilidade observada para as principais taxas nos últimos 20 anos supera em muito as diferenças nas políticas econômicas dos países industrializados.
2. Contrariamente ao esperado, os bancos centrais tiveram que aumentar suas reservas para poder intervir em escala ainda maior no mercado. Em parte, isto se deve ao crescimento dos fluxos de capital.
3. Houve vários períodos em que a taxa de câmbio ultrapassou o nível de equilíbrio ditado pelos fatores fundamentais e a correção disso demorou vários anos, acumulando desequilíbrios comerciais grandes.
O regime de taxa de câmbio fixa também tem sido avaliado em suas versões recentes, com estudos sobre o sistema monetário europeu, o sistema cambial escandinavo e o câmbio na Zona do Franco (ex-colônias francesas). O câmbio fixo deveria trazer as vantagens seguintes.
1. Este regime impõe uma restrição forte sobre a política monetária e isto deve servir para estimular a adoção de práticas antiinflacionárias. Ademais, se o câmbio se mantiver fixo, haverá maior previsibilidade para os preços praticados no comércio exterior.
2. Os bancos centrais que, por terem incorrido em políticas inflacionárias crônicas, perderam credibilidade, podem adotar o regime de taxa de câmbio fixa, por algum tempo, para emprestar credibilidade à promessa de combate à inflação.
3. Com a taxa de câmbio fixa e mobilidade dos fluxos de capitais, a política fiscal precisaria ganhar muita flexibilidade e responder com rapidez aos desequilíbrios do mercado, pois a política monetária não pode ser usada. Mas a avaliação deste regime fixo mostra o seguinte.
1. O regime de taxa de câmbio fixa foi superado na prática pois nenhum país conseguiu defender a taxa de câmbio fixa por muito tempo sob condições de desalinhamento cambial. Para manter o arranjo, os bancos centrais precisam manter reservas internacionais muito elevadas.
2. Com taxas fixas cada realinhamento de uma moeda é traumático pois representa uma quebra de promessa da autoridade econômica. Ademais, causa atrito com os parceiros comerciais.
3. A rigidez do regime de câmbio fixo impõe a necessidade de ajustes muito fortes ao lado real da economia. O nível de empregos domésticos precisa ser expandido ou contraído como variável de ajuste quando é necessário ajustar as contas correntes. Mas fazer recair o ajustamento externo sobre o nível de atividade interna mostrou-se politicamente inviável nos países democráticos.
No Brasil, uma parte dos economistas do governo parece crer que um arranjo como o da Argentina, que mantém a taxa de câmbio fixa, é a chave para manter a inflação baixa no futuro.
Esta idéia não tem maior suporte na experiência comparada. Vamos citar as conclusões de um trabalho importante de Lars Svensson, denominado "Taxas de câmbio fixas como meio para a estabilidade dos preços. O que aprendemos?" (Textos do CEPR, Londres, nº 872).
"O que aprendemos? A primeira lição é que taxas de câmbio fixas são muito mais frágeis e difíceis de manter do que se pensava antes. A segunda lição é que mesmo se puder ser mantida, a taxa fixa pode conflitar com a estabilidade dos preços. Isto porque taxas fixas não são suficientemente críveis para evitar inflações superiores à média internacional e, assim, divergências consideráveis nas taxas de câmbio real têm persistido por muito tempo".
"A terceira e principal lição é: taxas de câmbio fixas não são um atalho para a estabilidade de preços. Estabilidade monetária e credibilidade não são artigos de importação fácil; devem ser construídos em casa".
A conclusão: nem câmbio fixo, nem totalmente flutuante. Os dois regimes puros apresentam mais problemas do que soluções. Qual deveria ser, então, uma política cambial compatível com a estabilidade?
A recomendação pragmática baseada no que se vê em outros países: flutuação cambial com bandas de flutuação definidas pela autoridade econômica. Pelo menos no curto prazo estas faixas devem ser largas: 10% para cima e para baixo da faixa central. E a faixa central sendo puxada para cima progressivamente.
Quatro países podem ser listados como tendo saído de períodos de estabilização com a taxa de câmbio fixa para a flutuação com bandas (Chile, Israel, Polônia e, na sua primeira fase, o México).
A questão fundamental é se a mudança é percebida como um sinal de relaxamento da vontade antiinflacionária ou se é vista como um modo de restaurar a competitividade externa após um período de apreciação real.
Se houver sinais nítidos de que a vontade antiinflacionária continua, a mudança do regime cambial traz um ganho de credibilidade para a autoridade. Problemático é tentar manter uma posição percebida como não sustentável no tempo.

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