São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Reforma tributária é urgente e necessária

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

As notícias desta semana indicam que encruou o projeto de reforma tributária de nível constitucional que o governo federal havia prometido propor imediatamente.
Divergências internas no governo, posições desencontradas entre os ministérios da Fazenda e do Planejamento, balões de ensaio de alcance estratosférico e propostas nefelibáticas, atentatórias às cláusulas pétreas da federação, da autonomia dos Estados do Distrito Federal e Municípios e dos direitos e garantias do cidadão, levaram o governo a cair na real, e adiar, para as calendas, a sua salvadora e milagrosa reforma constitucional, na área tributária.
Mas uma coisa resta insatisfeita: a unanimidade nacional em torno da necessidade de se fazer a reforma tributária. Hoje se Diógenes, com sua lanterna, saísse pelo território nacional à procura de um contribuinte contente com o sistema tributário nacional, certamente não o encontraria.
Se, por exceção, algum contribuinte está feliz com os impostos que paga, ou se trata de alguém com passaporte para o céu, por santidade, ou de portador de salvo-conduto para o manicômio, por alienação mental.
A insatisfação não é apenas relativa ao número de tributos, que a propaganda melíflua e ignorante travestiu em 58 impostos, na ânsia de acelerar a indigestão tributária. Em realidade, o insuportável é a carga tributária individual, terrivelmente regressiva, pois quanto menor a renda, maior será a pressão fiscal padecida pelo cidadão.
A formação de uma consciência tributária está ainda na fase ingênua: a do protesto, do choro, da insubmissão, da resistência ao fisco. Não existe uma compreensão firme e consistente acerca do fato de que, em condições normais de mercado, a carga tributária decorrente dos tributos indiretos (Imposto de Importação, IPI, ICMS, ISS, Cofins) atribuída pela lei ao contribuinte (importador, industrial ou comerciante) transfere-se ao consumidor final da mercadoria ou do serviço, camuflada no seu preço de venda.
Assim, quando um guri compra o seu picolé, no preço que lhe é cobrado, compondo custo tributário, está embutido o somatório dos tributos que incidiram sobre o processo de industrialização e de comercialização desse produto.
Daí a célebre afirmativa de que, na sociedade moderna há dois encontros, igualmente desagradáveis, dos quais não se pode fugir: a morte e a assunção da carga tributária.
Tem sido largamente difundida a informação de que no Imposto de Renda da pessoa física 70% de sua arrecadação advêm da remuneração do trabalho assalariado e 20% do trabalho não-assalariado. Apenas 10% da sua arrecadação resultam de rendimentos do capital. Em suma, o Imposto de Renda incidente sobre a pessoa natural constitui um imposto sobre o trabalho, ou mais vulgarmente imposto sobre o salário.
A injustiça se agrava se for considerado que os ricos, dotados de maior capacidade contributiva, regra geral, pouco pagam. Seja por que a legislação lhes é favorável, seja porque simplesmente se evadem.
Reportagem publicada pela revista "Veja", no final do ano passado, individualizando a renda e o imposto correspondente pago por titulares da riqueza nacional, provocou escândalo, pela penúria declarada para o fisco por alguns dos seus integrantes.
A carga tributária incidente sobre as empresas é brutal e injusta. A concepção dominante na fixação das alíquotas dos impostos é a de tirar o máximo do contribuinte que paga seus tributos.
Embora, regra geral, a empresa não suporte definitivamente os encargos tributários, há sempre uma diminuição das suas disponibilidades financeiras, quase sempre do seu capital de giro, quando não do capital de investimento.
O problema decisivo é que tributação elevada constitui poderosíssimo indutor à evasão e à sonegação. Carga tributária indireta situada entre 20% e 30% do preço do produto já é considerada, pelos padrões internacionais, absurda. Ora, o ICMS tem alíquotas variando entre 17% e 25%. O IPI tem alíquota média de 15% e a Cofins, de 2% sobre o faturamento das empresas. O seu somatório é escandalosamente elevado.
A conseqência desses encargos tributários brutais é a de proliferar a evasão. E aí surge uma grande distorção. Muitos contribuintes, que gostariam de ser cumpridores de seus deveres tributários, para sobreviver na concorrência de mercado, são obrigados a evadir o tributo, e, portanto, ficam vulneráveis à ação do fisco.
Daí a recorrência, de tempos em tempos, dos pleitos de anistia para limpar a ficha infratora desses evasores.
A situação está chegando a tal ponto de insustentabilidade que, a despeito de todos os esforços dos fiscos federal, estaduais e municipais, a evasão no país situa-se em torno de 50% da base tributária.
Em realidade, as empresas que têm folga para suportar a carga tributária têm posição privilegiada no mercado. São monopolistas ou oligopolistas, tendo condições de transferir não somente os impostos indiretos, mas também o Imposto de Renda, através do preço de seus produtos.
Daí a necessidade urgente de se diminuir a carga tributária individual das pessoas físicas e empresas. Essa, a reforma imprescindível. Reduzir as alíquotas dos impostos, para que todos possam pagar o que for devido, dividindo-se solidariamente a tarefa de sustentar o Estado.
E diminuir o ônus administrativo das empresas, as chamadas obrigações acessórias que, muitas vezes, sobrevivem ao longo dos anos, sem que tenham serventia para os controles do fisco. Mera exigência burocrática desvinculada de utilidade e destinação.
Reconheço que o diagnóstico acima não é do agrado da receita do milagre e da macroscopia, típica da tecnocracia federal. É trabalhosa, pois envolve o detalhe, o estudo de situações específicas, o conhecimento profundo das técnicas tributárias e da realidade de cada situação determinada.
Um caminho nesse sentido, de alívio tributário negociado com a população, já está sendo praticado pelo governo estadual paulista.
A idéia, inicialmente formulada pelo Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), parece que foi encampada pelo governo Mário Covas. Fixar uma meta de crescimento arrecadatório que, atingida, propicie uma redução geral dos impostos.
É uma modalidade de pacto social. É de se esperar que a experiência paulista sirva de exemplo e colaboração aos seus aliados federais, e se busque a identidade com a população, fazendo-se a reforma que se anseia: redução da carga tributária individual dos contribuintes, pessoas naturais e empresas.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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