São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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A grande feijoada cívica

LUÍS NASSIF

Na última sexta-feira, o porta-voz do presidente da República, Sérgio Amaral, converteu-se em material didático, ao explicar o episódio das concessões de "pagers", no final do governo Itamar. Foi tudo legal —quer dizer, foi tudo dentro dos regulamentos.
Para as novas gerações, não poderia haver maneira mais clara e instrutiva de expor um dos sustentáculos da cultura política nacional: a feijoada cívica. É graças a feijoada cívica que, a partir dos livros escolares, os estudantes brasileiros não têm porque se envergonhar de seus homens públicos. Até causa espécie que a realidade tenha legado um conjunto historicamente tão patife, se cada parte, individualmente, era tão virtuosa.
Tome-se o episódio em questão. Um jovem mineiro —Luiz Mário Pádua— abre uma empresa com capital de US$ 3 mil. O rapaz é amigo de copa e cozinha de figuras, diríamos, ilustres do esquema Itamar —como do ex-consultor José de Castro e o embaixador José Aparecido, velho mecenas da imprensa pátria.
Basta isso para que o ministro das Comunicações Djalma Moraes —da patota— lhe entregue, em dinheiro vivo, US$ 4,5 milhões (o preço de mercado das concessões concedidas). Tudo de acordo com os regulamentos. O jovem cumpriu duas únicas exigências. Uma formal: entrar com os papéis na data certa. Outra intangível: ser amigo da turma.

Esquemas políticos
Esse episódio constitui-se na ponta do iceberg da atuação do esquema dos amigos de Itamar, e particularmente do ex-ministro Djalma Moraes, à frente do Ministério das Comunicações.
No início do governo Collor houve flexibilização na construção de centrais telefônicas. Empresas privadas se credenciariam junto a prefeituras, construiriam a central, venderiam as linhas e doariam a planta para a tele estadual. Seria a maneira de driblar as restrições orçamentárias que limitavam os investimentos no setor.
O que parecia, inicialmente, um sistema concorrencial e descentralizado de licitações, transformou-se num enorme campo de favorecimento para grupos políticos. Juntavam-se os fornecedores, dividiam-se mercados e estabeleciam-se as contribuições políticas, sem nenhuma necessidade de licitações.
Em São Paulo, esse sistema foi coordenado pelo então presidente da Telesp, Oswaldo Nascimento, ligado ao grupo de Leopoldo Collor de Mello. Em Minas, por Djalma Moraes, então presidente da Telemig —em dobradinha com o deputado Raul Belém, e com o ex-presidente da Telerj José de Castro.
O processo foi paralisado no final do governo Collor, quando o ex-deputado gaúcho Nélson Marchezan assumiu a Secretaria Nacional de Comunicações e definiu em US$ 1,2 mil o preço máximo a ser cobrado por cada linha, nesse sistema de planta doada.
Se o presidente quer ser virtuoso não apenas no grito, que abra as contas das campanhas políticas de seu grupo a partir de 1990, quando seu esquema passou a dominar a Telemig.

Cartel
No ano passado, a divergência jurídica entre a Ericsson e a NEC, em torno da licitação da telefonia móvel em São Paulo, foi resolvido de maneira extraordinária. Foi assinado acordo pela qual a NEC se comprometeria a adquirir equipamentos da Ericsson na fase de expansão do sistema. O acordo tinha três assinaturas: dos representantes de ambas as empresas e do representante da Telesp.

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