São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Faz 70 anos que Einstein provou pinga e goiaba

CÁSSIO LEITE VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há 70 anos, desembarcou no Rio de Janeiro a personalidade que dará nome a este século o físico Albert Einstein (1879-1955). Há 40 anos, o mundo ficou mais sem graça com sua morte, em Princeton (EUA), nas primeiras horas da manhã de 18 de abril.
O navio "Cap Polonio" atracou no porto carioca na madrugada de 21 de março. Seu destino era a Argentina, onde Einstein faria palestras.
A primeira visita durou só horas, mas causou sensação entre cientistas e na imprensa. Jornais da época não pouparam elogios: "genio (sic), com parcella (sic) de divindade" ( "O Jornal"), "Albert Einstein, o emulo (sic) de Newton" ( "O Malho"). O Jornal do Commercio atribuiu ao "Professor Alberto (sic) Einstein" sua já merecida "brasilidade". As manchetes de "O Imparcial" e "O careta" eram Einstein.
"O Jornal", dirigido por Assis Chateaubriand, publicou a primeira entrevista, com "o maior genio (sic) que a humanidade produzio (sic) depois de Newton".
Na pauta, nada de mulheres, natureza ou praias brasileiras. Bem informado, o repórter questionou Einstein sobre a teoria da relatividade restrita (1905), as críticas dos alemães à comprovação da relatividde geral (1916) e tópicos mais complicados como a geometria de Minkewsky. Einstein parecia impaciente e deu respostas lacônicas.
A comitiva de sete carros passeou pela cidade. O Jardim Botânico impressionou o visitante europeu. "Como Deus foi generoso com este país. É lindo!", afirmou em seu mau francês.
Para a recepção vieram Paulo de Frontin (diretor da Escola Politécnica), Affonso Celso (diretor da Faculdade de Direito), Aloysio de Castro, colega de Einstein na Liga das Nações, entre outros.
Às 12h15, almoço no Copacabana Palace, com cobertura de Chateaubriand. Dele, Einstein ganhou um exemplar de "O Jornal", com os textos sobre a comprovação da Relatividade Geral.
"O problema concebido pelo meu cérebro, incumbiu-se de resolvê-lo o luminoso céu do Brasil", escreveu, assinou e datou. Foi o modo gentil de retribuir a comprovação de sua teoria durante um eclipse solar em Sobral (Ceará), em 1919 (leia texto na página ao lado).
À tarde, Einstein passeou de carro e a pé pelo centro do Rio e admirou-se com a presença de um japonês. Às 16h, do mesmo dia, voltou ao navio, que seguiu para a Argentina, onde ficou de 25 de março a 23 de abril.
Passou um período em Montevidéu, para chegar ao Brasil em 4 de maio (19h30), agora para uma semana de estada. Tudo estava previsto: duas palestras sobre relatividade (Clube de Engenharia e Escola Politécnica) e visitas a granel.
A suíte 400 do Hotel Glória hospedou o físico. O passeio, claro, começou pelo Pão de Açúcar. No Palácio do Catete, foto ao lado do presidente Arthur Bernardes. Einstein convidou pessoalmente o ministro da Justiça e o da Agricultura para sua primeira exposição.
Duzentas pessoas lotaram o salão do Clube de Engenharia. Nas cadeiras da frente, políticos, cientistas, generais, almirantes. Um terço de mulheres, noticiou a imprensa.
Foram 75 minutos de silêncio e reverência, com aplausos no final. Exceto iniciados, poucos com certeza entenderam. Mas valeu pelo momento histórico. Fotos até dos rabiscos na lousa.
Einstein visitou o Museu Nacional e a Academia Brasileira de Ciências, onde ganhou o título de membro correspondente, o primeiro da história da ABC. Falou na Rádio Sociedade, exaltando-a como forma de expandir a cultura.
Na manhã do dia 8, encontrou-se com o médico sanitarista Oswaldo Cruz, no então Instituto Oswaldo Cruz. A palestra na Politécnica foi para a comunidade científica. Desta vez, orador falou mais duro, deixando a didática de lado. Jornalistas noticiaram os primeiros sinais de cansaço do visitante.
Depois dos elogios à goiaba, no café da manhã de sábado, Einstein seguiu para o Observatório Nacional. No almoço, a primeira gafe brasileira: feijoada. O convidado agradeceu, mas rejeitou —desde criança não comia carne de porco. Mas apreciou a "pinguinha", repetindo alguns copos.
Recebeu homenagem das colônias alemã e judaica. No Clube Germania, foi declarado "embaixador da vida espiritual alemã". Oito anos depois, a história tratou de transformar o "diplomata" em judeu refugiado.
Visitou o "Hospício de Alienados", sob direção de Juliano Moreira, e pediu para conhecer um caso de "paranóia legítima", influenciado talvez pelo triste destino de seu filho mais novo, Eduard (leia texto ao lado).
Terminou sua visita na Associação Brasileira de Imprensa, agradecendo as gentilezas dispensadas. "A todos, de coração, um abraço", finalizou no livro de visitantes ilustres. Recebeu uma coleção de pedras preciosas como presente. Voltou à Europa, no navio Cap Norte.
" Einstein no Brasil", de Aguinaldo Ricieri (Editora Prandiano, S. José dos Campos, 1991), é talvez a única tentativa de sistematizar material sobre a visita do cientista. É despretensioso, mas reúne boa parte da cobertura da imprensa.
Além disso, há passagens em "Formação da Comunidade Científica no Brasil", de Simon Schwartzman, e uma citação em Einstein lived here, de Abraham Pais, que classifica a viagem como uma das últimas de longo percurso feitas pelo autor da Teoria da Relatividade.
O contato de Einstein com o Brasil ressurgiria nos anos 50, através da troca de correspondência com David Bohm (1917-1992). Perseguido pelo macarthistmo, esse físico norte-americano refugiou-se no Brasil como professor da Universidade de São Paulo.
Bohm reclama da política e da ciência no país. Einstein lhe dá conselhos e tenta acalmá-lo. Em 1952, Einstein enviou ainda carta a Getúlio Vargas, intercedendo por Bohm. Temia que sua permanência estivesse ameaçada.
Curiosidade: o relógio de pulso de Einstein foi doado para os fundos de construção do Hospital Albert Einstein (em são Paulo), em setembro de 1958, por Hans Albert, seu filho mais velho. Veio também um cheque, nunca descontado.
O Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro promete uma exposição sobre a visita de Einstein ao Brasil para a segunda quinzena de maio. Com surpresas.

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