São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Profecias da maturidade

Físico previu nacionalismos e fracasso da ONU

CÁSSIO LEITE VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O instrumento científico mais preciso deste século tinha a forma de um cilindro, com cerca de 13 cm de altura e 1,5 cm de espessura. Da caneta tinteiro de Albert Einstein saíram os símbolos e as palavras que mudaram os destinos deste final de milênio.
Não é por menos que o escritor irlandês George Bernard Shaw (1856-1950) o classificou como um dos oito criadores da universos da história, ao lado de Pitágoras, Aristóteles, Kepler, Ptolomeu, Copérnico, Galileu e Newton.
"Escritos da Maturidade" é a história contada por quem a transformou. Traz um Einstein contundente, reformulador do microuniverso atômico, da Terra e do Universo.
Sua caneta tinteiro arquitetou um mundo melhor, mas não sem deixar escapar certo pessimismo por tudo que viu: Segunda Guerra, massacre do povo judeu, bombas e energia nuclear, Guerra Fria, perda das liberdades individuais nos EUA (macarthismo) e na URSS (regime totalitário).
Para ele, o futuro estaria ameaçado, entre outras coisas, pelo nacionalismo e pelo perigo de uma guerra nuclear devastadora. Isso talvez explique a busca quase obsessiva das bases para um governo supranacional, que zelasse pela segurança e liberdade das nações. À primeira leitura —e descontextualizadas—, algumas idéias propostas podem soar ingênuas.
Segundo Abraham Pals, em "Einstein lived here", seu amigo podia até parecer uma criança em certos momentos, mas ingênuo nunca.
Prova disso é que Einstein foi visionário em certas passagens, prevendo um mundo cheio de ogivas nucleares, os perigos do nacionalismo exacerbado, o fracasso da ONU para resolver questões internacionais etc. Todos males das últimas décadas do século.
O segundo capítulo do livro (Ciência) é obrigatório para estudantes de física, matemática e química —fica a recomendação para os demais.
Ali está a base filosófica que transformou a mecânica (área da física) e ergueu a mecânica quântica (teoria que lida com o mundo atômico). "Física e realidade" (texto 13) é indispensável para entender os argumentos de Einstein ao discutir teoria quântica com o célebre físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962). Juntos promoveram um dos maiores debates filosóficos do século.
Mesmo que Einstein tente vulgarizar conceitos e teorias nesta segunda parte, o resultado final é mesmo só para iniciados. Aos aficcionados —que vão se aventurar de qualquer modo— segure-se o texto 11 (um tipo de "como chegar a E = mc2") e o seguinte, sobre a teoria da relatividade restrita, escrito para o "The Times".
O resto do livro é o depoimento de quem transformou a história. ( Guerra atômica ou paz (31) é uma análise soberba do início da Guerra Fria.
A franqueza de Einstein lhe rendeu críticas de comunistas e capitalistas. Para esses últimos, era "o socialista-padrão", para os comunistas, o agente do capital internacional. "Os enganos do Dr. Einstein", assinado por quatro famosos cientistas da ex-URSS, ataca a proposta de um governo supranacional. Einstein responde com delicadeza, mas cutuca feridas do então regime soviético.
Alguns detalhes (padronizações e poucos erros de digitação) escaparam à primeira edição. Coisa fácil de corrigir na segunda.
Para breve, a mesma editora promete Subtle is the Lord, clássico biográfico, também de Pals. Fica a sugestão de Einstein lived here (Oxford University Press), ímpar entre as biografias.
Ao término de Escritos da Maturidade, percebe-se que valem para Einstein as palavras que ele escreveu na morte do amigo e físico francês Paul Langevin (1872-1946), inventor do sonar: Seu desejo de promover uma vida mais feliz para todos os homens talvez fosse ainda mais forte que seu anseio pelo puro entendimento intelectual. Foi por isso que dedicou muito de seu tempo e energia vital ao esclarecimento político.

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