São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Rede Internet veicula mensagens racistas

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

A rede de computadores Internet é constantemente assediada por racistas, neonazistas e pessoas que dizem apenas negar o extermínio praticado pela Alemanha na Segunda Guerra, auto-intituladas revisionistas.
A Internet liga computadores pelo mundo todo. Através dela, mais de 30 milhões de usuários podem trocar mensagens ou participar de grupos de discussão sobre assuntos específicos.
No último dia 27 de janeiro, cinquentenário da tomada do campo de extermínio de Auschwitz (Polônia), usuários na Universidade McGill (Canadá) foram tomados de surpresa.
Vocês judeus me fazem rir. Não é à toa que o mundo inteiro os odeia. Eu sei o que fizeram a judeus na Segunda Guerra. Pena que não terminaram o serviço, dizia uma mensagem da rede endereçada aos assinantes de um boletim local sobre sionismo.
Anônimo, o autor da mensagem fez questão de dizer que não a mandava de seu real endereço na Internet.
Outros são menos tímidos. De Portland (Oregon, EUA), um dos net-nazis mais célebres, Dan Gannon, já enviou propaganda racista a cerca de 70 grupos de discussão. A maioria deles sem nenhuma relação com o tema.
Além da Internet, Gannon opera um boletim eletrônico privado que divulga em suas mensagens à rede.
Negros têm cérebros menores que neandertais. Informações importantes que brancos devem ter para seu próprio bem, anuncia um dos arquivos de Gannon.
Segundo denúncias de 1993, neonazistas também mantêm fora da Internet uma rede privada de computadores com cerca de 2.000 usuários, chamada Thule, com senhas e juramentos para entrada.
A agremiação Resistência Ariana Branca já despejou em grupos de discussão da Internet uma Cartilha do Nacional Socialismo, chamando o líder nazista Adolf Hitler de herói.
Mas não é esse tipo de ação, ofensiva e direta, a artimanha mais eficaz usada para disseminar material racista pela rede.
Usuários da rede podem também acessar informações em computadores distantes, conhecidos como servidores.
A Folha localizou dois desses servidores que fornecem em silêncio, 24 horas por dia, material de propaganda revisionista, ou simplesmente racista.
Os dois nazi-servidores estão nos Estados Unidos, onde a lei permite veiculação de qualquer material em nome da liberdade de expressão.
Mesmo fora do alcance da rígida legislação anti-racista brasileira e de vários países, estão à distância de poucos toques no teclado.
Em instantes, pode surgir sobre a tela, por exemplo, algum dos arquivos mantidos por Rick Savage em seu servidor em San José (CA).
Os títulos são sugestivos: O holocausto foi mesmo como dizem?, Judeus e suas mentiras, 100 verdades sobre os negros, e uma mentira, e por aí afora.
O conteúdo dos arquivos não deixa margem para dúvidas. Intolerância, discriminação e pena de morte para homossexuais são recomendados na Bíblia, dá o sabor de um deles.
Menos escancarado, o outro servidor fica em Newport Beach (Califórnia). Nele, o usuário Greg Raven diz ter arquivos de seu interesse pessoal e se propõe a discutir seriamente o nazismo.
Raven edita publicações do Instituto para Revisão da História, entidade conhecida por propagar material refutando o que se convencionou chamar de holocausto.
À disposição: textos argumentando contra a existência das câmaras de gás, supostas provas e contestações do número de mortos na guerra, relatórios de especialistas e resenhas com conotação revisionista.
Mesmo sem credibilidade nos meios acadêmicos, o revisionismo ganhou um foro especial na Internet: o grupo de discussão sobre revisionismo (alt.revisionism).
O grupo surgiu quando mensagens de Gannon começaram a inundar grupos de discussão de história e afugentar seus membros.
No alt.revisionism, historiadores acadêmicos e demais usuários interessados travam um debate diário contra os revisionistas.
A maior estrela do grupo é o canadense Ken McVay, que mantém um servidor com 50 megabytes —o equivalente a uns quatro dicionários— de provas do extermínio na Segunda Guerra (leia entrevista abaixo).
Segundo McVay, seu servidor —um PC-386— já foi até bombardeado por mensagens de Gannon semelhantes a vírus, com o intuito de tirá-lo do ar.
Procurado pela Folha por correio eletrônico, Gannon não respondeu a solicitação para conceder entrevista.

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