São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1995
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Devagar com a TV interativa

HELCIO EMERICH

Os futurólogos da propaganda brasileira estão alvoroçados com as novidades que vêm de fora sobre a mídia interativa. Embalados pelas notícias de que o negócio da comunicação nos EUA deverá investir só este ano perto de US$ 600 bilhões na nova tecnologia, os chefões das nossas agências deitam falação. E tome expressões que encantam os adeptos da neologia eletrônica: "smart-TV", "home banking", "home shopping", "information highway", etc, (num rasgo de sinceridade, o diretor de mídia da Norton, Edson Benetti, declarou à revista "Imprensa" que "aqui quase ninguém entende direito o que é essa tal mídia interativa").
Futurologia é também mania americana. Na década de 80, cansamos de ler previsões de que nos anos 90 todos os lares dos EUA teriam pelo menos um computador. Até as cozinhas domésticas estariam informatizadas. Hoje os computadores controlam praticamente tudo, mas apenas 15% das famílias americanas têm um PC em casa, provando que a informática nasceu para uso profissional. Oráculos da mídia eletrônica vaticinam agora que lá pelo ano 2006 cada domicílio dos EUA poderá sintonizar 500 canais de televisão, incluindo-se aí as emissoras a cabo e por assinatura. Se você estiver em Nova York nessa época e quiser saber o que vai rolar na tela da TV, numa única noite terá que gastar umas quatro horas consultando o TV-Guide, que será do tamanho das listas telefônicas.
Não há porque duvidar dessas profecias, mas cabe uma pergunta: quem vai engolir essa torrente de informações? Pesquisa feita no ano passado pela agência Saatchi & Saatchi revelou que, em média, cada família dos EUA não sintoniza habitualmente mais do que dez canais dos 35 que seus aparelhos podem captar.
Não quero investir contra os teóricos da comunicação que, empolgados com o anunciado "boom" da TV interativa, chegam a antecipar que ela vai tornar obsoletos outros meios, como o telefone. Se isso acontecer, a "TV inteligente" transformará os telespectadores em rematados vidiotas postados letargicamente frente à tela.
Quanto ao telefone, continuará cada vez mais indispensável para fazer compras, pedir auxílio a alguém ou simplesmente preservar a sagrada instituição do papo e da fofoca (o celular está aí para mostrar que a telefonia convencional não passou de um singelo começo para o imenso futuro da comunicação interpessoal).
Outra pergunta: será que as pessoas vão mesmo querer interagir com a televisão? Um dos melhores atributos da TV é que, que ao contrário da família, dos amigos e dos cachorros, ela não exige nada em troca do que oferece. Quando uma pessoa não estiver sob a pressão do trabalho, que motivação terá para ficar incorporando à sua vida os desafios e as enquetes babacas que a TV interativa costuma nos propor? Se um anunciante cria um sistema computadorizado para dialogar com você através da TV, que prazer você irá sentir dialogando com ele? Que tal a emoção de poder conversar com os camelôs eletrônicos que vivem de empurrar quinquilharias via telemarketing?
Não sou um eremita da tecnologia. Não duvido que o cidadão comum será cada vez mais servo e menos senhor dela. Imagino também que o monumental pacote de informações que o cidadão poderá receber no futuro, da mídia eletrônica, estará controlado —e certamente manipulado— no máximo por uns três ou quatro gigantes do setor: basta lembrar o que vem ocorrendo em outras áreas da economia americana, onde as aquisições e fusões entre grandes grupos favorecem a crescente cartelização em mercados como o de produtos alimentícios, farmacêuticos etc..
Mas, como para toda ação sempre surge uma reação, haverá um número cada vez maior de pessoas que preferirá desligar a TV para ir andar de bicicleta, cuidar do jardim ou aprender a tocar bateria.

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