São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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Princípios e ações para uma política tecnológica

Há algumas décadas que São Paulo não dispõe de uma política tecnológica adequada
ARMANDO ANTONIO MARIA LAGANÁ
O diretor científico da Fapesp, professor doutor José Fernando Peres, em artigo publicado nesta coluna no dia 6/01, realizou um diagnóstico preciso da pesquisa tecnológica no Brasil. Citou a inexistência dessa atividade nas empresas e o baixíssimo nível de transferência de conhecimento do ambiente acadêmico para o setor empresarial resultantes de uma economia fechada.
Visualizou que, com a retomada do desenvolvimento, as empresas demandarão inovações tecnológicas, cujo acesso no exterior estará cada vez mais difícil.
A reversão desse quadro somente ocorrerá com o estabelecimento de uma política tecnológica competente, atrelada a uma política industrial e coerente com políticas públicas de serviço, elaborada a partir de políticas setoriais.
Uma política setorial é resultante de condições globais como estabilidade econômica, política tributária, infra-estrutura adequada e instrumentos de financiamento e comércio exterior associados a condições específicas de cada setor, como incentivos fiscais, recursos humanos, viabilidade regional, insumos e, principalmente, priorização de nichos de mercado para a atuação competitiva de empresas brasileiras (sejam de capital nacional ou estrangeiro).
Portanto, estabelecer uma política tecnológica consiste em definir para todos os setores de interesses, tecnologias que devem ser estabelecidas no país, que permitam às empresas fabricarem produtos previamente definidos, ou incentivarem investimentos externos através da capacitação criada. Fica claro que a política tecnológica deve ter uma visão de mercado a curto, médio e longo prazos. Não devemos priorizar o desenvolvimento de tecnologias que eternamente serão consideradas do futuro.
A política tecnológica deve dar atenção especial aos setores considerados estratégicos, por contribuírem significativamente para o aumento da competitividade de outros setores. Destacamos a microeletrônica, biotecnologia e novos materiais. Devem ainda receber atenção especial a micro e pequena empresa de base tecnológica. Pesquisa realizada nos EUA mostra que 84% da inovação tecnológica advém da micro e pequena empresa.
É necessário, ainda, quebrar o tabu de que é "pecado" investir a fundo perdido em projetos de P&D de empresas. São inúmeros os exemplos dessa prática em países avançados, para desenvolver os setores estratégicos ou para alavancarem as micro e pequenas empresas de base tecnológica. A comunidade acadêmica deve ter em mente que os recursos públicos investidos na área de C&T não se destinam a satisfazer o ego de pesquisadores e, sim, ajudar a criar empregos e melhorar a qualidade de vida.
Uma política inteligente naturalmente distribuirá missões entre os grupos de pesquisa das universidades e institutos, evitando duplicações desnecessárias e aumentando a sinergia do sistema. Em contraposição, essa mesma política tecnológica deve estimular uma competição sadia entre esses mesmos grupos. Afinal de contas, não nos esqueçamos da recente afirmação de um economista americano de que a principal razão do sucesso mundial da Coca-Cola denomina-se Pepsi-Cola.
A primeira ação para o estabelecimento de uma política tecnológica consiste na definição de tecnologias prioritárias e na elaboração de programas de P&D, por câmaras setoriais que passarão a contar com a participação de entidades científicas. Quando as comunidades empresarial e acadêmica sentarem-se juntas para formular uma política tecnológica, será dado um grande passo em direção às parcerias.
Não há mais espaços para políticas definidas em gabinetes fechados. Os órgãos de fomento devem se tornar instrumentos dessa política, redirecionando seus recursos, com regras flexíveis para permitir gestões mais eficientes. Os programas PADCT e Protem coordenados pelo MCT representaram significativos avanços nessa direção, porém, com uma participação muito pequena das entidades empresariais e desvinculados de uma política industrial.
Uma segunda ação é dar amplo apoio ao surgimento de micros e pequenas empresas de base tecnológica. Nesse sentido, a medida mais importante é criação de incentivos para a implantação de mecanismos de capital de risco, através de "captures venture". Os programas setoriais de P&D devem possibilitar o acesso de micro e pequenas empresas a recursos a fundo perdido, para desenvolver e fabricar produtos em nichos estabelecidos pela política industrial, sempre através de licitações.
Já há algumas décadas que o Estado de São Paulo não dispõe de uma política tecnológica adequada, situação agravada nos dois últimos governos. Porém, são fortes os sinais que o novo governo paulista vai estabelecer através dos mecanismos de câmaras setoriais uma política tecnológica competente.
Por sua vez a Fapesp, através de seu Conselho Superior, não teve neste período a preocupação de formular uma política tecnológica para direcionar melhor seus investimentos, e suas regras de financiamento para a pesquisa tecnológica foram sempre limitantes. Podemos afirmar que, para alguns setores estratégicos, a Fundação Banco do Brasil e a Finep apresentaram desempenho melhor. Dentro dessa nova visão, a Fapesp deverá fazer uma profunda reflexão e certamente adaptar-se aos novos tempos de competitividade, que exigirá resultados mais efetivos.

ARMANDO ANTONIO MARIA LAGANÁ, 42, é professor do Departamento de Engenharia Eletrônica da Escola Politécnica e coordenador da Divisão de Materiais e Processos de Microeletrônica do Laboratório de Sistemas Integráveis da USP e presidente da Sociedade Brasileira de Microeletrônica.

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