São Paulo, quinta-feira, 2 de março de 1995
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Caminhos indígenas

MARCOS TERENA

Cada nascer do sol que contemplamos em nossas aldeias representa as lembranças do passado e a necessidade de buscar novos caminhos de sobrevivência, pois apesar dos erros cometidos na relação entre o homem e o branco e nossa civilização indígena, reconhecemos que esse contato significou um aprendizado na busca do exercício da cidadania como povos indígenas. Era preciso romper o cerco do ostracismo social em que estávamos e que nos impedia criar nossas próprias trilhas para enxergar na sociedade como um todo, a existência de aliados como o Congresso Nacional e o Judiciário.
Ao longo desse processo, conseguimos fazer conquistas para o bem-estar de nosso povo, com a aprovação, pelo Congresso Nacional, de um capítulo específico na Carga Magna de 88, em que estão assegurados nossos direitos básicos, e em nível internacional, o início da Década do Índio em resolução inédita da Assembléia Geral das Nações Unidas. Para nós, brasileiros, é importante ressaltar o compromisso público na defesa dos nossos direitos, assumido por governos estaduais como Jaime Lerner (PR), Dante de Oliveira (MT) e Wilson Barbosa (MS), que instituíram departamentos indígenas em suas estruturas governamentais, inclusive dirigidos por índios.
A cada mudança de governo e renovação do Parlamento, nossas esperanças também se renovam. Esperança de vermos nossas terras demarcadas e protegidas. Esperança de termos um plano sócio-econômico para nossas comunidades, que contenha até mesmo o manejo auto-sustentável e a garantia do usufruto de nossas reservas minerais e naturais. Esperança, enfim, de sermos tratados como pessoas de origens diferentes, mas cidadãos natos de um país multiétnico, e de vermos nossos direitos constitucionais respeitados e regulamentados pelo Congresso Nacional em leis específicas como o Estatuto do Índio.
Fernando Henrique Cardoso, o novo presidente do nosso país, parece possuir condições éticas e étnicas para, junto com os índios, construir esse caminho com soluções claras, ágeis e duradouras, antecipando-se aos conflitos que geralmente acompanham essas questões. Nós, os índios, temos nos preparado para participar desse empreendimento de resgate social. Sentimos que é urgente a definição dessas ações, inclusive para determinar o tipo de status que mereceremos na aldeia, no órgão indigenista e nos fóruns das decisões que nos digam respeito.
Hoje os tempos são outros, a voz indígena representa a voz de todos os pensamentos livres, inclusive daqueles que de várias origens compõem um Brasil onde ser diferente não será mais fator de discriminação, mas de afirmação da nossa pluralidade étnica.
Alguns dias atrás, o som natural das matas e dos rios em nossas aldeias foi alterado pela voz do presidente da República através de um radinho de pilha, quando lendo seu discurso de posse, afirmou que os direitos indígenas seriam assegurados e respeitados. Essa afirmação, sua formação de vida e a sensibilidade por justiças sociais como a nossa causa identificam que nesse governo, será nele, em Fernando Henrique Cardoso e na sua esposa sra. Ruth, que estarão depositadas essas esperanças indígenas. Por isso o governo federal deve entender que chegou a hora de se criar uma agência oficial de política indigenista, técnica, política e juridicamente capacitada ao nível de assessoramento presidencial. Um purgante contra aqueles que se contrapõem a ações inovadoras baseadas em apodrecidos conceitos ainda existentes no círculo governamental, de que "o índio tem muita terra e é uma ameaça a segurança nacional", afinal, quando se fala em proteção ambiental, exploração de recursos minerais, naturais ou hídricos, abertura de estradas ou zonas de fronteiras, sempre haverá uma aldeia e um povo indígena no meio. Só assim a situação atual e a perspectiva de futuro das 180 sociedades indígenas terá um tratamento digno. Um programa de índio real!

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