São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Mi sombrero

RICARDO SEMLER

O meu chapéu tem três pontas. E tenho uma conferência no México no mês que vem, por isso fico pensando igual a um gringo que olha o Brasil. Ih, será que vão cancelar? Terão dinheiro pra fazer o evento? Buenos Aires é ou não é a capital do Brasil? Fechar os olhos na Cidade do México, e reabri-los, transporta a pessoa de volta a São Paulo.
Ambas têm profusão de fusquinhas, fumaça, prédios cinzentos e letreiros desordenados. As duas mesclam favelas com executivos mauricinhos que se apressam em direção à Bolsa e carroças puxadas a pangaré com celulares que não funcionam. É a falsa modernidade enfiada por entre colunas sociais, casamentos com caviar do Mar Cáspio e caspas emaranhadas em smokings do Zegna. São estes os verdadeiros sinais de subdesenvolvimento que disfarçamos.
O Brasil não é o México, bradamos. Não é, e não é... e pronto, repetimos descabelados. A Argentina grita junto, enquanto vaia o Cavallo que se arrisca a cair da sela.
Essa novela não é nova. Vem de 1968, 1982 e moratórias brancas variadas. Os três países têm um passado comum. Foram violentados por governos autoritários e manipuladores, foram fraudados nos seus direitos humanos e vendidos para poucos e poderosos. Nos três são estes grupos que continuam no poder, indiretamente, e nos três há vontade de mudança.
Como quaisquer outros países de Terceiro Mundo, acotovelam-se como candidatos a noiva. Querem o namoro com o Tio Sam, mas suas elites gostam de fazer cara de sofisticados europeus, enquanto vão às compras na Flórida da Boca do Ratão.
Quando uma vai bem as outras duas fazem beiço e alertam para los problemitas estruturales olvidados pelos analistas. Suas bolsas tomam o lugar de cassinos, onde qualquer Nahas faz tudo subir ou descer, sozinho.
Os argentinos e brasile¤os vamos a la playa um doutro, fazendo a maré subir e baixar conforme a lua do câmbio. Sorrisos cínicos se atravessam quando um presidente não tem calcinha pra emprestar pra moça, ou o outro coleciona peças da Valisère de todas que lhe visitam.
Pois então, a crise do México nos afetará? Os câmbios mentirosos do México e da Argentina e suas festas com dinheiro emprestado têm a ver conosco? Muito menos do que parece.
Como vimos com o espertalhão do caso Barings, o mundo financeiro não é mais um lugar seguro. Recentemente foi a GE americana que levou uma tungada exemplar de um operador, e os alemães que viram a Metalgesselschaft sumir do mapa. Itália ou França, já viu. A novidade é que um mercado globalizado vira uma caixinha de surpresas, quiçá de Pandora.
O Brasil teve muita sorte. Tivesse continuado na toada tão admirada (pelos empresários e neoliberais) de Collor, estaríamos fritos. Agora, além de termos tempo para acertar o rumo e ilustradas cabeças governando a área, temos mais a ganhar do que perder.
Afinal, sai o dinheiro de especulação, que é mais arisco do que Valéria Valenssa quando vê roupa pela frente. Entra, aos poucos, e com solidez, o investimento dos bem informados. Dinheiro que poderia ter ido ao México e à Argentina e que virá ao Brasil e ao Chile. As tentaculares multinacionais sabem a diferença —não confundem Suíça com Itália na Europa, nem Indonésia com Cingapura na Ásia, e saberão ler os balanços do governo brasileiro.
Sofreremos as marolas da submersão temporária das duas economias latinas, mas navegaremos por cima. Calma, muchachos, tiene tres pontas el sombrero, e hoje somos a ponta de adelante. E de arriba!

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