São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Novata dorme no chão, não fala e limpa cela

DANIELA FALCÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

A regra número um para uma mulher sobreviver num DP (Distrito Policial) é ser humilde —sem parecer ingênua— e higiênica ao extremo.
Obedecer à hierarquia é outra regra básica para quem pretender sair ileso da prisão.
Todo "xis" tem sua "barraqueira" (administradora), que estabelece as regras: determina quem faz a faxina da cela e o local em que cada detenta irá dormir.
Presas novatas dormem no pior lugar da cela. A regra é essa e não adianta discutir.
No 9º DP (Carandiru), por exemplo, onde 86 detentas se espremem em cinco celas, as condenadas mais antigas dormem nas camas de alvenaria. As novatas dormem em colchões no chão.
Vera Lúcia Félix, 24, está presa no 9º DP há 15 meses, por furto. Só conseguiu sair do chão para uma cama há cinco meses.
"Cada xis tem sua própria regra e para não dançar você tem que obedecer. Passei dez meses dormindo no chão porque era novata. O pior era acordar cedo para guardar o colchão. Quem dorme em cama, acorda mais tarde."
Margareth Gomes Nascimento, 36, está presa no 26º DP há 80 dias. Ela é a barraqueira do seu "xis" e uma das chefes do DP porque tem longa ficha criminal (já está na sexta prisão).
Acha que, apesar da superlotação, a vida na cadeia hoje é "mamão-com-açúcar". "É porque agora sou respeitada. Quando era novata, não tinha nenhum privilégio. Nunca vi uma presa ter alegria nas minhas primeiras prisões. Agora elas vivem dançando."
Brigas são muito comuns, mas a maioria é resolvida com a interferência das "barraqueiras".
"As brigas mais comuns são por causa de lésbicas que assediam outras presas. Não há como aplicar castigos porque falta pessoal. Só tenho um carcereiro para cada 24 horas. Se uma presa é insubordinada ou brigona, mando ela para outro DP", diz Ivanete Oliveira Velloso, titular do 26º DP.
Fabiana Teodósio, 21, já cumpriu 4 dos 44 meses a que foi condenada por tráfico de entorpecentes. Ela é uma das poucas que admite ter namorada no DP.
"Aqui ninguém força nada, mas a gente vive muito sozinha. Quem tem namorado pode se consolar durante as visitas, mas a gente que é sozinha tem que arranjar companheira. Nunca fui forçada a nada, só aceita a cantada quem quer."
Maria Giselda da Silva, 20, condenada por tráfico de entorpecentes é ré primária. Ela diz que as duas coisas mais importantes que aprendeu no DP foi falar pouco e ser muito, muito limpa.
"Quanto menos falar, melhor. Mas o principal é deixar as coisas muito arrumadas e limpas. Uma presa nunca deve deixar chinelo na porta. É falta de respeito."
Outra dica de Giselda é que uma presa nunca deve ficar devendo dinheiro a outra por muito tempo. "Se tiver dívida e não pagar, a gente morre de tanto apanhar."
Quem tem dinheiro sobrando, pode levar uma vida mais "folgada" no DP e pagar para outras detentas fazerem a faxina. O preço médio nos DPs é de R$ 5,00.
Com algum dinheiro também dá para comprar cafés, doces, salgados e até cachorros-quentes preparados pelas presas.
Floraci Pereira de Araújo, 42, é barraqueira do 9º DP. Condenada a 2 anos por furto, já cumpriu 1 e 9 meses. "Passo o dia no fogão. Não vou ser enrolada por ninguém. Quem me deve, paga. Se não, eu bato mesmo."
Bernadete Romeiro, 56, é uma veterana na vida dentro dos DPs. Condenada a 2 anos por contrabando internacional, ela já cumpriu 1 e 8 meses. Essa é sua quinta passagem pelos distritos.
Bernadete é conhecida como "mãe" de sua cela e até a barraqueira a obedece. "Dou conselhos e resolvo brigas. Determino a hora de apagar a luz na cela (23h30) e a hora de desligar a TV (1h)."
Na cela de Bernadete, a comida é feita pelas próprias detentas, com o "jumbo" (veja ao lado) trazido nos dias de visita.
"A comida daqui é muito ruim e a gente devolve tudo para ser distribuído para os pobres. Comemos o que a gente cozinha. Até que é bom", diz.

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