São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Legislação antidrogas ainda é insuficiente

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O noticiário jornalístico dedica espaço permanente ao uso ilegal de drogas. Indica prisões espetaculosas, intervenções internacionais de grande porte, recursos aportados dos países ricos para os pobres, na busca de eficácia do combate ao tráfico. O ritmo informativo a esse respeito, justifica a retomada do tema, para cotejar as leis e as ações, com seus efeitos.
O volume legislativo norte-americano, por exemplo, é enorme. A Lei de 1988 para prevenir a manufatura, a distribuição e o uso de drogas ilegais, vem em um volume com 857 páginas, com dez títulos, um dos quais dedicado às penas de morte e de prisão. A condenação à morte pode ser aplicada a qualquer pessoa que, com o objetivo de evitar a apreensão no curso de uma diligência, mata ou dá causa a que um policial seja intencionalmente morto (subtítulo "A", da sétima seção da lei).
O brevíssimo resumo exemplifica a gravidade das preocupações, mas, apesar delas o tráfico prossegue. Causa males muito sérios à sociedade como um todo e de modo especial, para os jovens. Entre nós, o exemplo concreto das operações no Rio de Janeiro partiu de paradoxo difícil de entender: a força do Estado foi mobilizada contra os favelados, que —até pelas sua condição de favelados— não devem ser os beneficiados pelos bilhões de dólares que o tráfico movimenta. Os verdadeiros beneficiados parecem livres dos incômodos, das violências, do desrespeito aos direitos humanos impostos aos favelados.
O paradoxo da força oficial contra favelados, por causa de um comércio daninho, sugere que a política brasileira contra os entorpecentes sofre de distorções, a serem corrigidas, ao nível das leis e de sua prática, se a pretensão de um combate sério a esse mal for sincera. Um programa antidrogas, a se julgar pelo modelo norte-americano, deve constituir-se a partir de legislação que pré-determine política geral de enfrentamento do tráfico e as prioridades para o controle dos entorpecentes.
Essa legislação já existe no Brasil, mas pelo que se tem visto, ainda é ineficaz. Os fatos noticiados sugerem o agravamento da distribuição através de nosso país. Uma parte da lei há de ser dinâmica, ajustando-se aos novos métodos dos traficantes e aos canais pelos quais passa o comércio de narcóticos. Deve, sobretudo, estar aberta às informações da sociedade, de modo que a operação dos agentes do Estado seja a favor dela e não contra ela. Não, em particular, contra os mais pobres. Tudo isso, sem prejuízo do respeito aos direitos individuais, pois sem este só os inocentes sofrem.
A legislação penal e a ação dos órgãos de persecução criminal contra traficantes, transportadores e distribuidores é relevante, mas claramente menos importante, para a preservação do tecido social atingido pela droga, que os programas de prevenção, de tratamento e de educação dos consumidores é dos menores, em cujo rol se encontra o maior número de candidatos. ao consumo. Apesar da maior importância deste segundo aspecto, o aparato oficial tem privilegiado o espetáculo da perseguição. Está na hora de repensar o privilégio ineficaz, para a obtenção do resultado que a sociedade deseja e que corresponde ao anseio de cada cidadão.

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