São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Banco Central tem culpa no caso Banespa

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

A intervenção no Banespa e as informações sobre a má saúde financeira do banco causam preocupação para o público, bem como para todos os que vêem a inconsequência com que o Banco Central tem conduzido sua política de juros.
Em primeiro lugar, registre-se a forma fechada com que a discussão sobre a privatização do Banespa vem sendo levada. Por um lado, o presidente do Banco Central faz saber que tem uma posição de princípio favorável a privatizar os bancos estaduais.
Engraçado é que nem os milhares de acionistas minoritários do banco, nem a população de São Paulo, estão sendo informados precisamente dos problemas e das opções de solução.
Não vou me manifestar sobre a questão da privatização pois há um outro problema, os fatores que levaram a esta crise, que merece a atenção da coluna. Há bons argumentos tanto a favor da privatização quanto a favor de manter o banco como um banco público.
Mas quero lembrar que o Banespa foi útil ao desenvolvimento de São Paulo. Os estudos sobre os fatores que fizeram com que o Estado tivesse um desenvolvimento meio homogêneo, tanto na capital como no interior, apontam que a agricultura forte e a interiorização da indústria foram críticas. E, nisso, o Banespa ajudou muito.
Sinto-me à vontade para ressaltar este aspecto pois meu pai foi funcionário de carreira do Banespa dos anos 50 e 60. Quem viveu na época sabe que os bancários concursados do Banespa e do Banco do Brasil formavam uma elite profissional da mais alta competência.
Havia, naquela época, profissionais motivados, selecionados por concursos públicos difíceis e muito cientes da noção de que um banco público devia se guiar por critérios rigorosos. Esses profissionais do Banespa e do Banco do Brasil foram chaves para o desenvolvimento da base produtiva deste país.
Dou um exemplo: o seguro rural. Não se teria hoje o seguro rural no país (contra o granizo) se não fosse pela ação do Banespa. Conheço bem este exemplo pois meu pai (já falecido) foi um dos pioneiros que desenvolveram esta área nos anos 70.
Essas elites profissionais atuaram como "vetores de modernização". Ignorar o papel que o BB e o Banespa tiveram só mostra o tacanhismo mental com que (não) se pensa o desenvolvimento do país hoje.
Mas é preciso discutir também a responsabilidade do BC.
Segundo dados publicados pela imprensa, a saúde financeira do Banespa está abalada por uma dívida do governo do Estado no valor aproximado de R$ 9,5 bilhões e por créditos para devedores duvidosos do setor privado de cerca de R$ 1,9 bilhão.
Os problemas e as dificuldades do Banespa, frutos da manipulação política da instituição, eram de conhecimento do Banco Central há muito tempo. O BC é o órgão fiscalizador do sistema bancário. Se não fiscalizou direito, torna-se co-responsável pela crise.
Ademais, a política de juros absurda do Banco Central, iniciada na gestão Marcílio em 1991, sob inspiração do grupo de economistas da PUC do Rio, está mostrando agora seus efeitos devastadores.
A título de ilustração. Quem aplicou seu dinheiro no "over" do início de 1991 a dezembro de 1994 acumulou um ganho acima da inflação de 88,2%; quem aplicou em CDBs neste período teve um rendimento real de 115,8% (média de 21,2% ao ano). Eta lucrinho bom!
E esses rendimentos já são livres de impostos e deflacionados pela inflação medida pelo IGP centrado no final do mês.
Se um banco central faz uma política que obriga um banco estadual a captar CDBs pagando juros reais acima de 20% ao ano e esta taxa tem que ser repassada ao emprestador (no caso, o governo do Estado), cuja arrecadação está caindo, mais cedo ou mais tarde o devedor quebra!
Mais importante ainda. Este tipo de implicação era totalmente predizível. Não é por outra razão que eu (e outros) vimos insistindo que o governo federal precisa apresentar um plano de resgate e reestruturação de sua dívida pública, pois este é o calcanhar-de-Aquiles que tem servido para justificar as taxas de juros elevadas.
Boa parte dos leitores sabe identificar que há anos venho levantando este problema. Vou apenas repetir alguns trechos do primeiro artigo que chamei de "Fundar a dívida" e que saiu publicado nesta Folha em 18 de janeiro de 1989 (ufa, 1989...).
"Fundar uma dívida significa estender os prazos de um endividamento de curto prazo, tornando-o de longo prazo, dando em troca maiores garantias de pagamento. O objetivo da medida é desafogar as finanças públicas, evitando o repúdio da dívida" (e dizer que teve gente que me acusou de propor um calote!).
"O fundo de amortização é um fundo que recebe a inversão de um fluxo regular de recursos, que se capitaliza a juros compostos, ou então capitaliza os rendimentos de algum ativo colateral".
Para iniciar o fundo seriam usados dólares (retirados das reservas ou emprestados do FMI) e ações de estatais. O BC ajudaria a estabelecer um mercado secundário para os títulos da dívida fundada.
A mesma temática, mas concebendo outras opções de títulos que poderiam ter colocação voluntária junto ao mercado, foi retomada em outro artigo que escrevi junto com Fabio Giambiagi em 1993.
É exatamente uma solução deste tipo ("securitizar" a dívida paulista para com o Banespa) que hoje se ventila. Isso é bom, mas é bom também para a dívida do governo federal.
Passados esses anos, não só continuamos com o problema da dívida federal (que leva à atual política de juros inconseqüente) como também temos bancos estaduais falidos.
Vai ser didático que a dívida de São Paulo junto ao Banespa possa ser transformada em títulos securitizados. Aí vai se ver que fundar uma dívida é um recurso útil de finanças públicas, que não precisa envolver calotes e não precisa escamotear os problemas reais.

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