São Paulo, domingo, 5 de março de 1995 |
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É hora de se administrar a Previdência
OSIRIS LOPES FILHO
O país ainda sonolento, cansado e de ressaca vai procurando, modorrentamente, readquirir o ritmo rotineiro das atividades. No âmbito do governo federal poucas novidades. O presidente, dando prosseguimento à reconhecida vocação internacional, forjada no exílio político, foi ao Uruguai e, agora, com a pompa oficial, visita o Chile, que o acolheu no passado em asilo político, durante a perseguição da ditadura militar. Reconheça-se que, finalmente, durante o Carnaval o governo realizou uma trégua na sua campanha demolidora realizada contra os responsáveis, no seu entendimento, pelas dificuldades do país no momento: os funcionários públicos, civis e militares, os aposentados, os trabalhadores de salário-minino, os monopólios estatais e seus sindicatos operários. Emudeceu-se o governo, resignado temporariamente, diante da batucada infernal, do vigor onipotente dos trios elétricos, da vocação dionisíaca de grande parte da população, concentrada na aplicação das suas energias nos festejos, bailes, desfiles e animações características do Carnaval. Mas nem bem as cinzas da quarta-feira repousaram, volta o governo federal, possivelmente embalado pela agitação carnavalesca, a entoar a sua cantilena reformista, ainda que desafinada dos interesses básicos e imediatos do povo brasileiro. A reforma reassumiu a sua posição prioritária e de destaque, na ordem do dia da pauta governamental. Retorna o canto de sereia de que a salvação do apocalipse, que se prenuncia nas falas governamentais, é a reforma. Reforma qualificada e superior. Nada menos que da Constituição. Desta feita, a notícia é a reforma da previdência. Anuncia-se que a aposentadoria não será mais por tempo de serviço, mas por um sistema misto de tempo de serviço e idade mínina. Proventos de aposentadoria serão limitados, no futuro, a, no máximo, cinco salários mínimos. Quem quiser proventos mais elevados, que busque o abrigo das entidades privadas, que vão cuidar da aposentadoria complementar. Preconiza-se limpeza em regra dos privilégios. Abolição das aposentadorias precoces, como a dos professores. igualdade absoluta entre a aposentadoria dos homens e das mulheres. Nada de favoritismo. Regra igual para os dois sexos. Afinal, depois de tanta luta e passeatas pela emancipação feminina, a consequência é a aplicação de rigorosa igualdade entre homens e mulheres, nos direitos e garantias constitucionais, daí resultando a eliminação da aposentadoria em condições mais favoráveis, que as mulheres estão usufruindo. Se a concepção é a de empregar isonomia irrestrita nas aposentadorias, com a consequente eliminação de privilégios, os funcionários públicos, civis e militares, propõe o governo, devem ter o mesmo tratamento dos demais brasileiros. O seu sistema de aposentadoria passará a ser o geral, não mais sendo pago pelo Tesouro Nacional, com base no nível dos vencimentos auferidos por ocasião da aposentadoria. Ameaça-se cortar e eliminar tantos direitos e garantias consagrados na Constituição, que surge indubitável no governo federal uma poderosa volúpia castradora, não manifestada por ocasião das eleições. Constitui matéria rica para Freud. O atual ministro da Previdência é homem experiente no setor, misto de técnico e político, com fama de especializado em matéria de previdência e seguridade, aposentado precocemente pelo município de Curitiba, e, portanto, conhecedor na própria pele, dos privilégios que o governo deseja exorcizar. Diz o nosso ministro da Previdência, com seriedade, que todas essas castrações se justificam em face do encontro marcado que a Previdência tem, no futuro próximo, com a falência inexorável, se tudo continuar na mesma. Realmente, quase todos segurados estão há muito tempo preocupados com o descalabro da Previdência Social no país, que compromete a sua atuação correta. A lista dos problemas crônicos é longa e tem sido abordada quase que diariamente pela imprensa. Evasão brutal no pagamento da contribuição social incidente sobre a folha de salário; fiscalização deficiente dessa contribuição; péssimo nível de gerência e de atendimento ao público, gerando insatisfação do segurado; desvio de recursos previdenciários, para outros setores governamentais; corrupção interna e externa, evidenciada, por exemplo, através de indenizações exorbitantes por acidentes de trabalho; deterioração dos valores dos proventos de aposentadorias e de pensões; superfaturamento nos gastos; aposentadorias fraudulentas; inexistência de reservas técnicas para suportar os vários seguros previdenciários, no futuro; pouca eficiência na cobrança dos débitos de terceiros com a previdência; desleixo na administração do patrimônio. A listagem das fraudes, deslizes, insuficiências, ilegalidades, politicagem da previdência é muito grande e a população está preocupada com isso. Afinal, a previdência social é uma conquista obtida pela população, neste século. O seu término, já próximo, coincide com a inauguração do novo milênio, que deveria receber uma instituição previdenciária sadia e robusta. É hora de o governo federal cuidar de administrar a previdência, dentro dos melhores padrões de competência, lisura, honestidade, decência, neutralidade, legalidade, moralidade. E conseguir que a instituição previdenciária preste adequadamente os serviços públicos para os quais ela foi criada. Diariamente milhares de pessoas buscam algum tipo de serviço a ser prestado pelo INSS. A missão urgente é a de melhorar esses serviços, aperfeiçoando-os num processo de intensidade progressiva. O que se quer é a ação imediata, para que a instituição opere corretamente. Chega de escapismo, de mudanças meramente normativas e teóricas, que representam, em verdade, retrocesso histórico das conquistas sociais já alcançadas. É hora de mostrar competência e trabalho, corrigindo as distorções da previdência, para que a população possa ser melhor atendida. Que se mude a canção e o ritmo do governo. Acabe-se o "nhem, nhem, nhem" improdutivo e enrolador, e se passe à ação efetiva. Mãos à obra, governo. OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília, ex-secretário da Receita Federal e presidente do Instituto Brasileiro de Defesa da Cidadania. Texto Anterior: Foi possível falir Próximo Texto: Persiste tendência de baixa Índice |
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