São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Participação nos lucros

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Medida provisória contém graves erros de concepção e não avalia consequências

Quem se lança à tarefa de redigir normas legais tem o dever de avaliar todas as suas consequências, projetando seus efeitos futuros, para que o novo ordenamento jurídico responda satisfatoriamente às exigências que lhe deram origem e não se converta em mais uma fonte de conflitos e problemas.
Não foi o que se deu com a medida provisória nº 794, baixada pelo presidente Itamar Franco nos derradeiros instantes do seu governo, reeditada como medida provisória 860, em 27 de janeiro, ambas destinadas a imprimir regulamentação ao denominado direito dos trabalhadores à participação nos lucros ou nos resultados (leia-se resultados positivos) da empresa, justificando as pesadas críticas que lhe são feitas por sindicalistas, empresários, advogados e profissionais de recursos humanos.
Não me refiro apenas aos equívocos de técnica ou de redação, como aquele que levou os seus autores a se servirem da expressão "convencionar" no artigo 2º, mas a graves erros de concepção que os fizeram optar pela negociação da empresa com empregados informalmente reunidos em comissão, de evidente existência transitória, abandonando, ninguém conseguirá explicar porque, o Acordo Coletivo com o sindicato profissional, segundo o rito estabelecido pela CLT.
Mas não ficaria apenas nisto. Ambas as medidas provisórias, orientando-se pela trilha aberta pelos projetos anteriores, tratam a participação nos lucros ou resultados como se salários ou remuneração fossem, desatentos de que ambos são aleatórios e dependem, quanto à sua realização, de uma série complexa de fatores, um dos quais é a força de trabalho.
Definindo o empregador como a empresa, individual ou coletiva, que admite, assalaria e dirige a prestação de serviços "assumindo os riscos da atividade econômica", a CLT (art. 2º) distingue com rigorosa exatidão uma coisa da outra, deixando positivado que ter ou não lucro é assunto exclusivo da empresa e que, mesmo sofrendo prejuízos, não poderá deixar de satisfazer os salários.
Observo, neste sentido, que a atual Constituição, corrigindo desacerto praticado pelas de 1946 e 1967, desvinculou expressamente a participação nos lucros do contrato de trabalho, desobstruindo o caminho ao empregador que, a partir da sua promulgação, sente-se livre para concedê-la aos seus empregados sem recear vê-la transformada judicialmente em parcela permanente.
Também poderá fazer dela e da participação nos resultados favoráveis matérias de negociações coletivas, fixando o montante a ser rateado ou admitindo negociar tudo, isto é, a parcela global e as quotas individuais.
Dependente do lucro e prisioneira da sua natureza e finalidades, a participação não pode ser considerada exatamente como um direito, com o sentido de garantia prefixada em lei, cuja falta de satisfação, na data oportuna, torna-lo-ia exigível em juízo.
Pelo contrário, pertencendo aos riscos do negócio, lucros e resultados positivos constituem-se em meras expectativas para a empresa, sendo a perspectiva de atribuição de determinada parcela aos trabalhadores gerada como uma das soluções propostas modernamente para reforçar os laços de solidariedade que ligam a mão-de-obra assalariada aos seus destinos.
Compete ao empresário interessado em obter o máximo de resultados do empreendimento, sem elevar os custos e reduzindo os conflitos, aplicar esforços visando conquistar a dedicação integral dos trabalhadores, incluindo na pauta negociável a distribuição de parte dos lucros, em benefício daqueles cujos horizontes se limitam pelos salários.
Legislando a respeito deste tema, ter-se-á em conta a impropriedade da intervenção da Justiça do Trabalho, como árbitro ou no exercício do Poder Normativo, da mesma forma que não se aceitará a greve na forma de instrumento de pressão, pois inexiste direito a ser reivindicado.
Para surtir os efeitos benéficos que dela se espera, a participação nos lucros manterá suas características de veículo de aproximação entre empregador e empregados.
É possível que alguns sindicalistas desacreditem do êxito da idéia, pois não venceram até agora as barreiras que dificultam as negociações salariais. De toda maneira, o desafio está posto, esperando-se que o futuro texto legal não se converta em responsável maior pelo seu insucesso.

Texto Anterior: Economia operacional;Valores de mercado; Com gás; Nova direção; Em adaptação; Limpeza geral; Garantia dada; Mostrando serviço; Quem madruga; Depois do Real; Sem intermediários
Próximo Texto: Segurado - analfabeto; Documento fiscal rasurado; Contrato de franquia; Manutenção do crédito; Recolhimento previdenciário; Crédito outorgado; Folhetos de propaganda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.