São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Crise da Argentina é grave para o Brasil

ALOIZIO MERCADANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O economista Pérsio Arida afirmou: "E também não é verdade que, passado o susto imediato desencadeado pelo México e Argentina, a oferta de recursos volte automaticamente aos níveis originais..."
"A preocupação de risco nas operações com países periféricos endividados pode levar à contração do mercado de empréstimos para estes países..."
"O representante do pensamento oficial diria que a objeção acima é permeada por um pessimismo infundado; que mais cedo ou mais tarde a oferta de fundos será reestabelecida com a intensidade usual à medida que se dissiparem os temores de que o Brasil siga o caminho do México e Argentina".
O mercado não precisa ficar nervoso, porque esta afirmação é do economista, em artigo de 1983 e não do presidente do Banco Central.
O artigo que combatia a ortodoxia monetarista e lançava elementos para uma resposta heterodoxa para a crise e que mais tarde alimentaria o Plano Cruzado, ficou esquecido no debate acadêmico. Mas por ironia da história, também naquele momento eram México e Argentina os detonadores da crise e o crítico realista, é hoje a voz oficial que se esforça para reforçar o coro que o Brasil não é o México e Argentina e tudo voltará a ser como antes. Será?
No início dos anos 80, o México declarou uma moratória parcial unilateral que representou a ruptura com o padrão de financiamento externo da América Latina.
Nossas economias se transformaram em exportadoras líquidas de capital, com o segundo choque do petróleo e o choque nos juros imposto pela política monetária do governo dos EUA.
A história dos anos 80 todos conhecemos —recessão e inflação com austeridade, autotelia e autonomia. É evidente que o momento é outro, mas novamente o México está no chão, humilhado, espoliado, com as receitas de exportações comprometidas quase que um retorno ao nosso passado colonial comum.
O grande modelo de ajuste do Banco Mundial e FMI é um fracasso completo. A estabilidade econômica da Argentina é um paciente terminal. E as consequências para o Brasil apenas começaram com o desabamento das bolsas e a perda de reservas.
A deterioração acelerada da situação econômica na Argentina é muito mais grave para o Brasil, como já procurei demonstrar em artigo anterior, é nossa segunda compradora e responsável por 10% das exportações do país.
Em uma primeira análise, a situação do Brasil é muito confortável. Uma inflação que deve ficar em 1,5% em março, um certo desaquecimento no consumo com um patamar elevado de produção, reservas cambiais em US$ 36 bilhões e o patrimônio público ainda não foi dilapidado como fizeram nossos vizinhos. O país resistiu ao ajuste neoliberal, ganhou tempo e pode não repetir os erros dos nossos sofridos parceiros da América Latina.
No entanto, a crise do México não acabou, a da Argentina mal começou e dinheiro externo para financiar déficit na América Latina não vamos ter.
A conta de serviços do país em 1994 apresentou um déficit de US$ 14 bilhões, para 1995 a perspectiva é de aumento do rombo. O crescimento das importações envolvem maiores despesas de transporte, seguros etc... O turismo externo cresce com o câmbio valorizado e os juros internacionais já aumentaram e podem não se estabilizar. Podemos ter compromissos que cheguem a US$ 17 bilhões no balanço de serviços.
No balanço comercial as projeções oficiais do Ipea, na sua última carta de conjuntura, falam de superávit até julho de US$ 788 milhões, o que tornaria a situação do balanço de pagamentos extremamente vulnerável. Para não mencionar as projeções extra-oficiais que apontam para déficit nas relações comerciais de 1995 de até US$ 3 bilhões.
Com esta taxa de câmbio o crescimento das importações é muito consistente e o país vem perdendo reservas, pela volatilidade deste capital especulativo.
Um déficit de conta corrente que será superior a US$ 15 bilhões e poderá chegar até US$ 20 bilhões dificilmente poderá ser financiado em condições aceitáveis, com capital de longo-prazo.
Somos um dos grandes devedores do Terceiro Mundo. A relação entre dívida líquida e exportações é a segunda pior de todo o mundo, só perdemos para a Argentina.
E entramos em 1995 consumindo mais do que exportamos e estamos financiando o pagamento da dívida externa antiga e o crescimento das importações com mais dívida.
O governo vem tentando tapar o sol com a peneira. Reduziu o compulsório de 15% e retomou o prazo de 180 dias para as ACCs. Uma parcela dos exportadores terá seu ganho financeiro e poderá se proteger nas generosas taxas de juros que deterioram as finanças públicas e esmagam os pequenos devedores.
O governo teve que romper com seu discurso e aumentou alíquotas para a importação de automóveis. O casuísmo deve continuar, mas todo o problema está no grave equívoco da taxa de câmbio.
A política cambial do Plano Real é insustentável como foi com Figueiredo em 1980, com o Plano Cruzado em 1986, com o Plano Verão em 1989 ou Plano Collor em 1990, ou ainda no México de Salinas.
Tenho certeza que o presidente do Banco Central não fará como o presidente da República ao pedir: esqueçam o que eu escrevi.
Gostaria de retomar o que afirmava o jovem economista Pérsio Arida, na época: "a idéia de que a desvalorização cambial real é impossível porque o sistema brasileiro é perfeitamente indexado não resiste ao menor exame... a crítica é pertinente sobre o impacto inflacionário, mas não preocupante, o controle de preços pode até certo ponto amainar o efeito inflacionário da desvalorização".

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