São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Tipo de digestão ao leite reúne gregos e africanos

DA "DISCOVER"

A viagem que nos levará às novas raças deve começar pelas características invisíveis do "homem", em relação às quais não é difícil mantermos uma atitude objetiva, desapaixonada.
Muitas características humanas geograficamente variáveis evoluíram, pela seleção natural, tornando humanos adaptados a climas ou ambientes específicos —do mesmo modo que aconteceu com a coloração das lebres ou fuinhas durante o inverno.
Bons exemplos disso são as mutações que ocorreram com pessoas em regiões tropicais do Velho Mundo, ajudando-as a sobreviver à malária, a principal doença infecciosa da região tropical do Velho Mundo.
Uma dessas mutações é o gene da anemia falciforme, assim chamado porque as hemáceas das pessoas que têm essa mutação tendem a assumir a forma de foice.
Os portadores desse gene são mais resistentes à malária do que as pessoas que não o têm.
A ausência do gene na Europa setentrional, onde não existe malária, não chega a surpreender, mas ele é comum na África tropical, onde a malária é amplamente presente.
Até 40% dos africanos dessas regiões são portadores do gene da anemia falciforme. Ele também é comum na Península Arábica e no sul da Índia, onde há muita malária, e é raro ou está ausente na maior parte das regiões meridionais do sul da África, entre os xhosas, que vivem, em sua maioria, fora da região geográfica que apresenta a principal incidência de malária.
A área geográfica da malária é muito maior do que a área em que existe o gene da anemia falciforme humana. Outros genes contra a malária assumem a função protetora do gene da anemia falciforme no sudeste asiático, na Nova Guiné, na Itália, na Grécia e em outras partes da bacia mediterrânea em que o clima é quente e existe malária.
Assim as raças humanas, se fossem definidas por genes antimalária, seriam muito diferentes das raças humanas em sua definição tradicional, que leva em conta características como a cor da pele.
Quando classificados pela presença ou ausência de genes antimalária, os suecos são agrupados juntamente com os xhosas, mas separados dos italianos ou gregos.
A maioria dos outros povos geralmente vistos como negros africanos são agrupados com os "brancos" da Arábia, separados dos xhosas, "negros".
Os genes antimalária constituem exemplos das muitas características de nossa química corporal que variam geograficamente sob a influência da seleção natural.
Outra característica desse tipo é a enzima lactase, que nos possibilita digerir a lactose do leite. Os bebês humanos, assim como os de todas as espécies de mamíferos, possuem a lactase e tomam leite.
Até cerca de 6.000 anos atrás, a maioria dos humanos, assim como todas as outras espécies mamíferas, perdiam a enzima na idade adulta. A razão óbvia é que ela se tornava desnecessária —nenhum humano ou outro mamífero tomava leite quando adulto.
Mas a partir de mais ou menos 4.000 a.C, o leite fresco obtido de animais domesticados passou a ser um dos principais alimentos dos adultos de algumas populações humanas.
A seleção natural contribuiu para que os indivíduos dessas populações retivessem a lactase na idade adulta. Entre esses povos figuram os europeus do norte e centro, os árabes, os indianos do norte e vários povos negros africanos bebedores de leite, como os fulas da África ocidental.
A presença da lactase em adultos é muito menos comum nas populações do sul da Europa e na maioria das outras populações negras africanas, e também em todas as populações de asiáticos orientais, aborígines australianos e indígenas americanos.
Trata-se de mais um caso em que a definição das raças, segundo sua química corporal, difere de sua definição por cor de pele. Suecos e fulas fazem parte da "raça de lactase positiva", enquanto a maioria dos "negros" africanos, japoneses e índios americanos se agrupam na "raça de lactase negativa".

Tradução de Clara Allain

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